Está escrito?

"Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo..." (A cartomante. Machado de Assis)

Até gosto de ser professor – quase sempre –, mas, para mim, um dos momentos mais enfadonhos, chatinhos mesmo, do magistério é vigiar prova. Sobretudo, porque me vejo mais como um carcereiro, ou talvez um daqueles vilões do Dostoievski (menos... acho que não sou tão malvado assim...). Seja como for, é chato ... 1.000 vezes chato!!!

Hoje me deparei, ao xeretar a prova de uma colega com um trecho do conto A Cartomante de Machado de Assis. Adoro Machado e sempre que tenho um dos meus ataques de credulidade – principalmente envolvendo pessoas – penso nesse conto.

Será que Machado, aproximados cento e trinta anos depois, gostaria de “se enxergar” numa prova de Ensino Médio? Será que a construção da “Sibila italiana”, bem ao estilo detalhadamente descritivo e marcante (aliás, invejável) do nosso autor falaria tanto assim para os adolescentes remelentos que fitavam a prova, quase sem querer, com o sono típico do primeiro tempo? Será que meus jovens pupilos estariam tão crédulos quanto o “moço Camilo” nas cartas – nas estrelas ... ou nas “previsões” do Facebook – sobre um destino de sucessos e edificações? Que eles devam “ir, ir tranquilos”, pois sempre dará tudo certo?

Detalhe: o final do conto, aquele final, fora eclipsado da prova...

Por isso, desejei um daqueles desejos estúpidos e inalcançáveis. Desejei que eles – ou melhor, todos nós – não tivéssemos o destino, quiçá efetivamente imprevisível, do jovem Camilo ao deixar confiante, generoso no pagamento e certo os aposentos (ou salas de aula, igrejas, casas de namorado(a)s...) das cartomantes que encontramos por aí. Afinal, “está realmente escrito”????