Uma crônica sobre o quê? Parte II

O vento frio rasga meu rosto, enquanto tento (mesmo sem vitória) controlar meus cabelos que cismam em me bater. Gosto de sentir o frio tocando em minhas bochechas. Sinto-me viva, sei que meu sangue está pulsando mais forte para mandar conexões ao cérebro, dizendo “Componha-se, mulher. Coloque seu casaco!” . Sorrio ao pensamento.

São 06:28 da manhã. Os jornaleiros a postos começando mais um dia de trabalho. Sempre fiquei a indagar como seria se eu tivesse jornais, revistas e afins a minha disposição. Leria mais? Ou ficaria entediada com tanta informação? Fofocas, tragédias jornalísticas, ser feminina, ser masculina, pornografia, informações em quadrinhos, ser de esquerda, ser de direita, sensacionalismo à R$0,80, auto ajuda... Por outro lado, ficaria tão confusa, querendo extrair tudo, extremamente tudo. Talvez fosse escrava das próprias palavras. Bom ou ruim?

O cheiro de pão fresquinho invade meus sentidos. Me arrepio ao sentir meu estômago gritando.

Seu Manoel ( nome bem clichê para um dono de padaria) me cumprimenta como de costume. Coitado, seu olhar de reprovação ao passar o cigarro é evidente. Sou mais uma pobre coitada para ele? Vê algum resquício em mim de seus filhos que estão distantes? Sua barba mal feita espeta tanto a ponto de ficar tocando sempre em seu próprio rosto?

- Bom dia, moça.

- Bom dia, Seu Manoel.

Tranco a porta com uma convicção que chega a me assustar. Meu eu interno dá gargalhadas, indagando quem seria o louco de querer roubar algo; “ele” sabe que não precisa fechar nada, mas faço, mesmo assim, por comodidade. Faço um café, sentando-me na cama, e seguro uma caneca quente e dou uma mordida no pão fresco. Me irrita quando tiram o miolo. Por que tirar a melhor parte? As pessoas estão limitando-se. Termino como se fosse a refeição mais perfeita para a ocasião. Sorrio ao ver meu maço ali, fechado, esperando para ser arrancado. Acendo-o como se fosse minha prece, minha fé depositada . O prazer após a primeira tragada me alimenta. Vejo como a cada soprada minhas fumaças modificam-se, me moldando...ou eu, de tão alucinada já vejo tudo como uma utopia? Gostaria muito de soltar tudo isso em seu rosto, porque sei que iria sorrir a meu ato, não me julgaria, apenas mostraria aquela brancura dos dentes que me levavam à loucura.

Ele tirou tudo. Me rasgou internamente, me fazendo tremer, a gozar em seu membro ainda ereto. Fez promessas que até esqueci meu próprio nome.

A vibração do celular o apaga agora da minha memória. Não sei porque mantenho esse aparelho ligado. Odeio ser procurada. Pode parecer depressivo, mas prefiro o contato pessoal. Tecnologia tornou as pessoas impessoais, infelizmente.

Minha mãe sempre com a voz preocupada. Inúmeras vezes o “Estou bem e sim, tenho me alimentado” não são suficientes. É como se houvesse uma troca filha da puta de ligações em segundos: ela sabe. Simplesmente sabe. Nove meses dentro dela não foram à toa.

Estou soando muito rebelde? Porque na verdade de rebelde não tenho nada. Sou mais uma. Um ponto de interrogação flutuando por aí. Uma incerteza. Uma não certeza. A certeza é ilusão. Iludido foi quem pensou chegar ao ápice, pois nada é tão elevado para limitar-se. Como dizem: o mundo é infinito. Essa pequena parcela chamada humano nem saiu ainda do primitivismo ( mesmo em pleno século XXI ) e quer bancar o hiper.

Só sei que preciso escrever. Concluir um ponto pelo menos. Mas sei eu que escrevo? Meu cigarro, a lembrança de meu amor, a padaria, o cheiro fresco do pão invadindo meus sentidos, meu cigarro de salvação e minha fome. Todas cenas formaram meu filme até aqui. Sei, eu, mera mortal que respira, o que acontecerá a seguir?

Mariana Rufato
Enviado por Mariana Rufato em 08/05/2013
Reeditado em 09/05/2013
Código do texto: T4280744
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