Menino de rua
Menino de rua
Menino carente
Filho da rua
Destino ausente
Dorme nas calçadas
Seu cobertor é o jornal
Dos batentes, faz almofadas
Durante a noite, dorme afinal
Acorda de manhã
Sem rezas, ainda de madrugada
Vai à procura do amanhã
Amanhã é outro dia
Diz a beata:
“Virgem Maria!”.
A poesia acima foi publicada na 2ª edição do livro “Miscelânea Recife II”, p. 22 – Ed. Esgotada. O objetivo desta crônica é mostrar que até os dias de hoje, os poderosos, aproveitando-se de nossa incultura, fizeram as cabeças para aceitar tudo que é favorável às classes dominantes, e para não aceitar idéias novas que não venham por vias oficiais. Aceitar, sim, tudo que venha de cima, sem contudo analisar. O que eu quero é que vocês leitores percebam que eles vem prejudicando o povo brasileiro há muito tempo e releiam, por exemplo, “Capitães da areia”, de Jorge Amado, cuja primeira edição foi queimada em praça pública pelo Estado Novo em 1937. Aliás, o livro começa com “Cartas à Redação”, contando a vida e as aventuras de um grupo de meninos de rua de Salvador-Bahia.
Transcrevo algumas “Cartas à Redação” que escrevi para os jornais: “(...) Zona livre para consumo de drogas... muitos adultos, jovens e crianças consomem drogas na Praça da Encruzilhada. Recife e Olinda estão entregues às baratas. Os bandidos assaltam, matam, roubam e fica por isso mesmo. Por exemplo, em Campo Grande, Recife, os ladrões levaram quase todas as grades de ferro das galerias. No final da semana passada mataram mais uma pessoa e assim vamos nós vivendo na insegurança. Aqui já se tornou rotina, os moradores de Campo Grande estão amedrontados com os assíduos assaltos à mão armada, a qualquer hora, até mesmo em plena luz do dia... Os bandidos são tão descarados que assaltam na frente de todos, pois sabem que há impunidade e polícia não existe. É a banalização do crime elevada ao extremo.
Esta semana um senhor estava comentando que PMs, a partir da zero hora, dormem com as viaturas nas garagens de ônibus, e que o Exército deveria comandar as polícias! É bom lembrar que esta prática de alguns policiais é antiga, principalmente na época da ditadura militar, quando a PMPE era comandada por um oficial superior do Exército. No regime militar a escala de serviço da PM era perversa: 24h por 24h. No Batalhão de Polícia da Radiopatrulha, por exemplo, o comando reunia no auditório todos os graduados alertando para que o público não tivesse conhecimento do empenho das guarnições e da abominável escala de serviços. Alguém ainda quer a volta dos militares. Só mesmo quem não lê e não conhece a história.”
Termino esta crônica com a poesia “Condição para viver”
Na terra que tem bandido
a vida humana não tem valor
no fantasma real da fome
vem o defasado real valor
Sem investir em educação,
emprego digno e saúde,
nunca haverá paz entre nós
assistimos alarmados
os seqüestros, assaltos,
tráfico de drogas... o escambau
Enquanto nada muda
ficamos vendo todos os dias
principalmente nas grandes metrópoles
os trombadinhas e trombadões da vida
agitar nossos caminhos,
aonde iremos nós?
Nota - “Condição para viver” - Publicado: Folha de Pernambuco - Caderno Programa, p.3 em 01/04/2005.
Do livro: Fiteiro Cultural, p.109 - ed. 2011.
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