Que se lixe a taça
Aqui há dias, num jantar que ofereci fiz questão de mimosear os meus amigos com um vinho de qualidade. Então, a escolha recaiu num “Conde de Cantanhede”, já com dezoito anos na minha garrafeira. Olhos gulosos dos entendidos miraram o rótulo, mas após a decantação, surgiu o desencanto ao provarmos o vinho, que talvez por diferenças climatéricas se alterou. Estava bebível, mas nada a ver, com as promessas do rótulo, levando-me a crer que esta história de se guardar certos bens para um dia, não é lá grande ideia.
Esta situação vem a talho de foice, para eu contar uma passagem ocorrida com um amigo meu.
Fazia anos o meu amigo Carlos. Depois de um almoço digno desse nome, chegou a altura de se cantar os parabéns. A esposa diligentemente dispôs os copos indicados para saborear o espumante, os chamados “flutes”. (dizem os especialistas que este é o copo indicado para este tipo de bebida). Mas o meu amigo, tal como eu, em tempos, conheceu a taça como copo de eleição para o champanhe ou espumante, só depois é que apareceu o flute.
Já bem bebido, deu-lhe a vontade de brindar como dantes se fazia, com uma taça.
- Querida, traz antes as taças!
- Ó Carlos! Esses são os copos adequados. - Respondeu Rosa, docemente.
- Está bem, mas traz as taças!
- Mas... Carlos, as únicas taças que temos são as daquele serviço, que nos ofereceram no nosso casamento.
- Eu sei mulher, mas traz lá as taças. – Ordenou Carlos, num tom mais ríspido.
- Ó marido, mas tu não vês que o serviço ainda está intacto? Vá, deixa-te de coisas e serve o champanhe nos flutes.
Os convidados já um pouco incomodados com esta teimosia, observavam sem nada dizer.
Carlos, aborrecido, via a sua vontade contrariada pela esposa que não queria utilizar as taças do serviço, com medo de se partir alguma peça.
Então, com o semblante mais natural deste mundo, dirige-se à cristaleira e perante o olhar de censura da esposa, tira uma taça. Fica a contempla-la demoradamente, perante o sorriso condescendente dos convidados que viam finalmente o ponto final nesta discussão.
Mais calma a esposa, via que afinal o que o marido queria era deleitar-se com a beleza daquela peça, em puro cristal da Boémia. Talvez fosse um pouco de vaidade da parte dele, em querer que os amigos vissem aquela maravilha.
Subitamente sem que nada o previsse, Carlos atira a taça contra a parede, partindo-a.
Perante o olhar consternado dos convidados, diz, virando-se para esposa.
- Agora o serviço já não está completo!... Já podes servir nas taças.