O POMAR DE ESTRELAS

* Essa seria mais uma parábola, mas como não há essa divisão, resolvi postar aqui.

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- Você sabe o que é a vida, sinhô? – perguntou o jovem menino maltrapilho a um homem que havia acabado de chegar fazenda de seus pais. Esse pequeno menino, que devia ter a barriga cheia de vermes e as mãos calejadas, parecia saber mais da vida que o Eremita, que havia ali parado apenas por sede.

- Como assim “o que é a vida”, menino? – perguntou o eremita, seguindo o menino até um poço atrás da casinha , onde uma velha lacrimosa tirava a água e bebia da desilusão.

-Ora! A vida! O sinhô nunca pensou nela? Por que vive? Talvez seja por isso que não tem uma fazenda. Meu pai desde pequeno me ensinô da vida, moço. Nois bebemo da realidade todos os dias aqui, nesse poço. A mãe quase num guenta chegar em casa sem derramar uma lágrima.

- A vida é triste, então, menino? Você não sabe o que é tristeza – Disse o homem jogando o balde pra dentro do poço – Tristeza é algo passageiro. Sua mãe devia pensar nisso. Eu posso fazer algo pra que sua mãe não mais chore?

- Ora! Diz a ela que a tristeza é passageira que inda deixa ela mais triste! – disse o garoto espantado , parando a mão do homem, que puxava a corda - Quem bebe dessa água, sinhô, sabe. A vida da pá nois somente a realidade... A triste e seca realidade, sinhô, igual o chão que o sinhô ta pisando. E dá pá nois o poço de tristeza... do qual temo de beber pra num morrê de sede. Bebe, sinhô, ao menos a sede de verdades vai passá

O homem pensando naquilo se sentiu incomodado. Queria beber, mas não podia acreditar. Tentou mostrar um pouco do seu conhecimento para com o mundo para o garoto.

- Menino, venha cá – chamou e apontou para um lago, que tinha bem lá no fundo da fazenda, de modo que o menino teve de estreitar os olhos pra ver, além de ficar na ponta dos pés – Veja bem o que eu sei da vida. Eu ando por aí a muito tempo, criança, e percebi que cada um, no seu íntimo, tem um lago de felicidade, bem aqui – ele apontou para o peito do menino, indicando o coração – E as tristezas são pequenas brisas que movem a água desse lago. Mas ele é fundo, moleque. Ninguém é triste por muito tempo.

O menino coçou um piolho em sua cabeça e perguntou então:

-O sinhô é feliz? Se tem mesmo um lago tão fundo com felicidade... Todos nois devemo ser feliz.

- Não menino, eu não sou – disse ele suspirando e logo desistindo de olhar para o horizonte – Eu, durante minha vida, dei um pouco da minha felicidade para as pessoas no caminho... Fiquei somente com as brisas... Que no meu lago raso, se tornaram ventania...

-Hmm.. – o menino pensou e logo tomou a mão do Eremita, o levando de volta ao poço – Talvez o seu lago sempre tenha sido triste, sinhô. Mas o sinhô o fez mais e mais triste pegando da tristeza dos outros. A água já não é boa nem pá o sinhô – o menino entornou um pouco da água do balde em uma caneca amassada de alumínio e deu para o homem.

Ele bebeu e pôde ver. Pôde perceber o quão melancólico estava. Nunca havia parado pra beber de sua água... Somente se alimentava da dos outros e sorvia tristezas. Agora, aquele pequeno poço era alimentado pela água suja do lago dele e ele sabia como era triste.

Cuspindo metade da caneca e a jogando pelo chão, ele xingou o menino que se encolheu.

-Como vocês podem viver assim? – ele perguntou com os olhos arregalados

-Nois pranta, sinhô – disse o menino e logo se explicou – A terra, sinhô, ela não sabe diferenciá a tristeza da felicidade. Se nois molha ela , ela da fruto. E é com isso, dia dispois de dia, que nois vêmo nosso pequeno pomar crescer... Que nois temo a esperança. Lá ta a felicidade, sinhô, na esperança de ter com quem compartilhar sua fazenda e, memo bebendo da água, seja do poço ou dum lago de tristeza, poder vê crescê frutinhas de amor, banhadas pelo sol – o menino parou de falar e logo pegou o copo jogado no chão, enchendo-o novamente e entregando ao homem – O Sinhô pode começar eu pomar aqui cum nois – ele sorriu e como se estivessem falando de assuntos de criança, saiu pulando até a casinha, gritando o nome da mãe.

O velho eremita pensou na proposta e logo decidiu que tentaria aquilo. Dias após dias ele ajudou no pomar da mãe do pequeno menino, mas nunca conseguiu cultivar uma única muda só sua.

Passado um tempo desistiu. Sabia que não podia ficar ali. Despediu-se do menino e bebeu uma ultima vez da água daquele poço. Ele era uma pessoa livre e não podia cultivar somente um pomar.

Pensava ele que fora feito somente pra ajudar a semear pomares, sem nunca manter um dele...

... Mas nos seus caminhos pelo mundo, a cada concessão de si que fazia, plantava uma estrela que iluminava muitos caminhos do céu.

Isabella Cunha
Enviado por Isabella Cunha em 06/05/2013
Código do texto: T4277618
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