... MESA DE BAR
... MESA DE BAR
Crônica de Carlos Freitas
Está sozinho? – Posso sentar? ... Numa mesa de bar. Ao fundo uma música ao vivo, às vezes, para pessoas quase mortas. Era o meu caso! Na bebida que sorvia, tentava afogar os restos de uma relação. - Tudo acabou quando certo dia, caminhando pela areia de uma praia qualquer, disse-lhe sobre o sonho de embalar o filho que teríamos. Sem alterar um músculo do rosto, Sofia com desdém retrucou friamente: - Acaso me perguntou se quero ter um filho com você? - Desnecessário responder. Desmoronaram-se os planos acalentados. Esvaíram, levados pelas ondas que molhavam nossos pés.
... Ergui o rosto, e vi a dona da doce voz, que a um só tempo, sem que me conhecesse já fizera duas perguntas. Fitei seus cativantes olhos negros num lindo rosto soturno - não triste. Era uma mulher e tanto! - não frívola. Deixou-me a impressão que pedia socorro. Pura ansiedade - não desespero. – Sim estou sozinho! – exclamei. Sente-se. Será um prazer. - Gostaria de um drinque? – perguntei. - Sugere algo? – ela quis saber. Posso pedir? – Claro! – disse ela com um leve sorriso. - Garçom: - Um uísque duplo com gelo, e um Martini para a senhorita... Senhorita – Aline – apressou-se ela. – Um Martini para a senhorita Aline. Prazer Aline – Raul é o meu nome. – Prazer Raul. Agora o acorde do piano soava divinamente. Sentia naquela exuberante mulher, o anjo, que viera apaziguar os meus conflitos. Preferi deixá-la falar, sentir sua envolvente e aveludada voz que invadia os meus sentidos, o meu ser. Revelou-se surpresa por estar ali à minha frente. –Na calçada – disse ela, senti uma força estranha que me impelia a entrar. Não ofereci resistência. Afloraram sentimentos que tentava esquecer – concluiu.
- Porque eu o escolhido, em meio a tantos outros homens que ali também estavam sós? – me perguntei.
– Fitando seu rosto, tive a impressão que sua alma e coração pediam ajuda – Errei Aline? – Sim e não Raul. – Na verdade preciso de alguém para conversar sem reservas e sem promessas. Quero falar sobre o agora. Sobre eu... Sobre você.
– Era uma mulher objetiva, e eu estava surpreso, porém, ela me era uma incógnita. - O que buscava? O sorriso no rosto mesclava calidez e carência. Sou bom ouvinte Aline, por isso... – Bem Raul: não sei se deveria estar lhe confidenciando intimidades, afinal acabo de conhecê-lo. Não sei por que, mas, confio em você. – Obrigado por isso e... Fique à vontade Aline. Fale o que quiser. São seus os meus ouvidos.
... Algum tempo depois, sem que percebêssemos o piano silenciara. Emudecera o vozerio. Um casal ali, outro além, outro acolá... E nós. Enquanto degustávamos nossos derradeiros drinques, nos conhecemos sem reservas como desejara. Aline era a mulher que não imaginava encontrar, mas, certamente, a que sonhava e ansiava ter. Já era manhã quando decidimos ir embora. Surpreendemo-nos com o idílio de nossas irrequietas mãos sobre a mesa. Um sorriso de cumplicidade iluminou nossas faces. Num táxi, deixei-a em casa – um flat na região da Avenida Paulista. O beijo que trocamos ao nos despedir, e, o telefone rabiscado no guardanapo de papel, mais que uma promessa, era um convite para que nos revíssemos. Aline, não me convidou para subir e eu não queria que o fizesse. Meu corpo clamava por emoções finais, mas o contive. Queria conquistar cada parte daquela mulher aos poucos... Lentamente. Algo me dizia que já havia atraído parte do seu coração, quiçá do seu amor! Sentia que seria ela, quem me arrancaria dos escombros, em que me via preso. O intenso sorriso que agora exibia no rosto, tivera a força de fazer desaparecer o ar soturno de quem, há horas atrás, invadira aquela mesa de bar para dar um novo rumo, um novo alento à minha insípida existência, à qual, de forma perdulária e perversa, se esvaia aos poucos nos copos dos bares da vida.