Vargas - A Indefinição a Serviço de Uma Política

Neste mês de maio, dada a comemoração do Dia do Trabalho, a figura de Getúlio Vargas sempre ressurge, de alguma forma, Seu nome está indissoluvelmente ligado à CLT.

Muito já se escreveu e falou sobre Getúlio Vargas, a grande personalidade política brasileira do século XX. Foi um divisor de águas, que de forma direta ou indireta marcou com sua presença a política do Brasil desde a Revolução de 1930 até pelo menos a chamada Revolução de 1964.

Quando nos lembramos de sua figura física, não podemos deixar de evocar as famosas caricaturas do Péricles e de seu inesquecível “Amigo da Onça”. Melhor do que ninguém, o caricaturista soube ressaltar o que havia de misterioso naquele homem baixinho, mais para gordinho, de mãos cabeludas, com seu inseparável charuto seguro entre os dedos curtos, sempre com um indecifrável sorriso nos lábios, dono de um formidável carisma e que exercia um grande fascínio sobre as pessoas.

Vargas ouvia muito e falava pouco, e era lento para tomar decisões, muitas vezes pensadas e repensadas. Isto deixava seus auxiliares mais próximos perplexos, inquietos, mas ele persistia teimosamente em sua postura de sempre, que era, segundo diziam, a de “deixa ficar como está para ver como é que fica”.

Uma tarde Vargas estava despachando os seus processos, em seu expediente normal, no Palácio do catete, quando atendeu em audiência o Ministro da Fazenda, que parecia bastante agitado. O Ministro disse o seguinte:

“Presidente, nossa situação financeira é cada vez mais preocupante e não sei se conseguiremos levar a bom termo a nossa política de austeridade para combater a inflação. Enquanto o Governo trabalhar em duas direções opostas, a situação não evoluirá satisfatoriamente, porque é impraticável ficarmos acendendo uma vela para Deus e outra para o Diabo: enquanto trancamos o Caixa do Tesouro, o seu ministro do Trabalho teima em abri-lo, e isto não nos levará a lugar algum, ficaremos marcando passo o tempo todo”...

Getúlio, que naquela altura acendera um de seus charutos, perguntou, soltando uma baforada:

“Como?”

“Tudo o que faço na área da Fazenda é boicotado na área do Trabalho. As reivindicações salariais vêm de todos os lados, todo mundo é pressionado o tempo todo, os empresários, o Governo, e não há como sustentar estas reivindicações sem estourar o Tesouro e sem subirem os preços”...

Getúlio: “Entendo. Mas em tempos difíceis isto é natural, é só se colocar no lugar do povo”...

Ministro: “É verdade Presidente, mas não é natural que estas pressões se façam com o aval do Governo e até, em alguns casos, sob a sua orientação. Enquanto somos obrigados a ficar na retranca, o seu Ministro do trabalho fomenta estas pressões, e isto deixa o Governo de mãos atadas, dividido, enfraquecido”...

Getúlio: “Neste aspecto Vossa Excelência tem toda a razão. Vou conversar com o Ministro e estudar como podemos fazer”. E repetiu, pensativamente:

“Vossa Excelência tem toda a razão”.

Inspirou profundamente a fumaça do sei Havana e deu uma olhadela para o teto enquanto o fazia. Todos sabiam que aquilo era um sinal para terminar a conversa. O Ministro percebeu que a audiência estava encerrada, pediu permissão e saiu.

Dez minutos depois, a segunda audiência.

Entra o Ministro do Trabalho, com ar grave. Disse o seguinte:

“Presidente, não há dúvida que os tempos estão difíceis e não sei se conseguiremos atingir o alvo que foi demarcado por Vossa Excelência. Os comunistas estão agitando as bases, nosso pessoal sente-se acossado pela intransigência do Governo, as eleições sindicais vem aí e acho que vamos perder 20% dos sindicatos aliados. Com este Ministro, Presidente, que nos recebe, mas não nos ouve, fica muito difícil, muito difícil”...

Getúlio: “Eu sei, Ministro. Eu sei como são estes comunistas. Não perdem a menor oportunidade...Vou conversar com o Ministro da Fazenda, eu sei...Vossa Excelência tem toda a razão.”

Em seguida, deu uma nova baforada no charuto e olhou para o teto novamente. O Ministro percebendo que a Audiência estava encerrada, pediu permissão e saiu.

Getúlio voltava-se para os seus despachos, quando, aparecendo por de trás de um biombo que dividia a Sala, surgiu Dona Darci.

Getúlio: “Estavas aí atrás bisbilhotando?”...

D.Darci: “Bisbilhotando, não, mas ouvindo sim”...

Getúlio deu uma baforada e perguntou: "E aí?"

D.Darci: “Não consigo entendê-lo Getúlio. Vem um Ministro, diz uma coisa e tu dizes que ele tem toda a razão...vem outro Ministro, diz exatamente o contrário , e tu continuas dizendo que ele tem toda a razão... Assim não dá Getúlio, como consegues governar desta maneira, empurrando as decisões com a barriga?

Getúlio ficou um pouco em silêncio, com ar pensativo, saboreando o seu charuto.

E depois respondeu: “Pensando bem, Darci, tens toda a razão”...

Deu uma baforada no Havana e olhou para o teto novamente.

Joao Milva
Enviado por Joao Milva em 06/05/2013
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