Um Caso Inédito

Um Caso Inédito

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Aproxima-se de sua mãe que está na cozinha, na árdua tarefa de dona de casa, preparando o almoço.

_ Mãe, vou-me casar. _ Fala em tom decidido.

_ Casar? Quando?

_ Agora. Já estou indo para a Igreja. Avise ao papai.

_ Você é louca! Como resolve uma coisa assim, sem consultar ninguém? Teu pai vai ficar danado.

_Ora! Ele não falou que este casamento está demorando demais? Pois vai ser agora.

_ E vai assim, com uma roupa usada, deste jeito?

_ Sim. Ele me disse que não vai comprar enxoval, nem fazer festa. Portanto, minha mãe, estou esperando o quê? Comigo é assim: Tudo ou nada. Sou dos extremos.

_ Meu Deus! Que loucura!

Seu pai até que tinha razão. Dois anos de namoro mais dois de noivado, era muito tempo para ele que queria fazer o casamento na primeira semana do encontro dos jovens.

No dia anterior, Débora havia falado com o vigário sobre o casamento. Preferiu realizar a cerimônia num horário em que as pessoas estivessem recolhidas em suas residências, a fim de evitar olhares indiscretos.

_ Para quando? _ Pergunta o Padre.

_ Amanhã, às 11 horas.

_ Por que, assim, de repente? Aconteceu alguma coisa grave?

_ Não. Estou querendo resolver isso logo.

_ Mas é preciso correr os banhos antes do casamento. São normas da Santa Madre Igreja.

_ Os banhos, Padre, a gente toma depois...

_ Mas o que é isso? Não fale assim. Com as coisas de Deus ninguém brinca.

_ Quem disse que estou brincando? Estou falando sério.

_ Está bem. Só porque me tem ajudado na Igreja sempre que preciso, vou fazer como quer. Amanhã às onze horas. Por que onze horas? Horário de almoço...

_ Padre, faça esse casamento ou vou-me juntar...

_ Não, minha filha. Isso, não! Está certo. Amanhã... onze horas.

_ Sob o olhar aflito de sua mãe, afasta-se a passos rápidos, antes que mude de ideia. A única solução será aquela. Não aguenta mais a pressão de seu pai e de pessoas bisbilhoteiras. – “Será agora ou nunca.” “It’s now or never” – diz, apressando cada vez mais o passo. Antes, porém, vai à casa de uma amiga e convida-a para ser sua madrinha. Como padrinho, escolhe o Sacristão, pessoa amiga de todos na cidade. Chega à Igreja em companhia de sua madrinha e de uma criança para segurar as alianças, indo ocupar um dos bancos em frente ao altar-mor. Ainda não há ninguém, somente o Sacerdote, na sacristia, prepara-se para a cerimônia.

_ Passados dez minutos das onze horas, chega o Sr. Miguel, pai de Débora, acompanhado de duas irmãs – suas tias – que vão testemunhar o evento. O altar, ornamentado de forma simples, em nada difere de um dia comum. Não existem arranjos de rosas sofisticados, nem laços de fita, nem marcha nupcial. Débora, que tantas vezes alegrara com músicas vibrantes nos corais de Igrejas, cerimônias de casamento em sua cidade, não goza agora de um momento solene daqueles. E o noivo? Até, então, não havia chegado e as pessoas presentes demonstram impaciência. Há uma interrogação circulando entre olhares apreensivos, curiosos por entender o que está acontecendo. Olham os relógios, cansados pela demora, enquanto o Sr. Miguel fecha sua costumeira carranca. O Sacristão comunica que vai tocar sinal por uma pessoa que havia falecido. Torna-se motivo de comentários, “ti,ti,tis” e até risos. A noiva está preocupada e envergonhada pela demora; passa a mão pelos cabelos e corre o olhar pelas inúmeras portas do Templo, apreensiva, pois jamais imaginara que isso pudesse acontecer: A noiva esperar pelo noivo! _ “Deveria ser cobrada uma multa por atrasos em casamentos, e quando se trata de um caso inédito, como este, deveria ser o dobro.” _ Fala ao ouvido de sua irmã, que confirma com uma risadinha sarcástica que lhe é peculiar.

Faltam quinze para o meio-dia, e o sino finda as últimas badaladas fúnebres. De repente, ouvem-se passos apressados e nervosos vindos pela lateral. Voltam-se todos para olhar. É o noivo. Traja calça escura, camisa listrada de mangas curtas, sapatos pretos e óculos escuros. Tem no rosto um sorriso amarelado e fala rapidamente com algumas pessoas, com a noiva e senta-se ao seu lado. Quer-se desculpar, mas ela toma a palavra, com ar aborrecido:

_ Que estava fazendo, que vem chegando agora? Quarenta e cinco minutos de atraso!

_ Estava negociando uns jumentos...

_ Não acredito!...

_ É verdade. Encontrei três jumentos e uma jumentinha amojada, por um bom preço e aproveitei.

_ Isso era mais importante que o nosso casamento?

_ Nem pensei nisso. Então, o que está faltando? Chame o padre!

O Sacristão vai à sacristia e faz o comunicado. O Sacerdote, dirigindo-se a Diego, pergunta:

_ Quando foi sua última confissão?

_ Padre, não tive a última porque só fiz a primeira. – Disse, rindo.

_ Ah! Sim. Então, venha aqui.

Entra no confessionário e chama-o para se confessar. Já é meio-dia. Quanto tempo levará para vomitar a carga de pecados cometidos em dezenove anos, desde a primeira confissão? Que tanta culpa estará pesando na sua consciência, que já conta meia hora aos pés do confessor? Será que ainda se lembra das orações exigidas? Seu nervosismo mostra-se cada vez mais acentuado à medida que o tempo passa. Finalmente, a absolvição foi ministrada. O pobre pecador levanta-se titubeando, pernas trôpegas, mexendo os ombros e passando um lenço pelo rosto. Perto da noiva, precisa de mais alguns minutos para rezar a penitência imposta: dez Pai Nossos, dez Ave-Marias, dez Glória-ao-Pai. Fica um pouco atrapalhado e pergunta: - Como é que a gente reza?

Débora ajuda-o nas orações, a fim de abreviar o tempo que, a esta altura, já falta um quarto para treze horas. Enfim, o Sacerdote sobe ao altar e pede que se aproximem:

_ Estamos presentes na casa de Deus, para unir estes dois jovens em casamento. Se alguém souber de algo que impeça esta união, que seja agora ou se cale para sempre.

Diante do silêncio de todos, dá início à cerimônia:

_ Diego, quer se casar com a senhorita Débora, para amá-la, respeitá-la, honrá-la, ser fiel...

Diego mexe com os ombros, ajeita os óculos escuros e acenando a cabeça, diz:

_ Rum.

Débora olha para ele meio assustada e, à pergunta do vigário se quer casar com Diego, responde:

_ Rum.

À falta da tradicional resposta de confirmação, o Sacerdote lança um olhar de interrogação para os nubentes e faz um gesto de reprovação.

***

Maria de Jesus. Fortaleza, 05/05/2013.

Maria de Jesus
Enviado por Maria de Jesus em 05/05/2013
Reeditado em 07/05/2013
Código do texto: T4276084
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