Uma crônica sobre o quê?

Olho para o maço: meu último cigarro me observa como se quisesse extrair tudo de mim. Meus pensamentos são interrompidos pela necessidade de mais cigarros, porque sei que não vou continuar bem se não os tiver aqui. É como se fosse uma espécie rara de salva vidas. Não, na verdade é. É mesmo.

Os lençóis desarrumados traziam memórias. Horas atrás ele deitara aqui. Mais um...ou menos um? Ainda não me acostumei com essa movimentação contínua ( quase todas as noites ) de corpos estranhos a me tocar. A sugar minhas entranhas, tenho como garantia o encontro efêmero com meu eu. O gozo me faz sentir completa, como se seus orgasmos ajudassem a encontrar minha alma, meu eu perdido.

Meu café está amargo. Mas meu açúcar acabou. Será que minha doçura também? Por quê ainda faço isso comigo mesma?

Talvez minha loucura atingiu um nível maior nessa manhã. Eu aqui, devaneando... sendo contraditória. Sempre sou. Nunca consigo alcançar um ponto em comum entre as coisas e acabo pensando demais e dramatizando demais. Ah!

Meu apartamento está mais vazio do que nunca. Apenas a cama preenche algum espaço. Confesso que às vezes fico andando sem fim, contando os espaços entre o piso, contando até meus passos, pra ver se consigo chegar adiante. Diante de algo que sei que me espera. Não sei quando e aonde, mas sinto. Isso por agora já é suficiente.

Vou te contar como cheguei aqui:

Sempre pensei em como seria minha vida se eu fosse outra pessoa. A multidão indo e vindo ( possivelmente em minha direção, mas isso na minha mente ), ultrapassando limites. Será que eu, com todos devaneios possíveis, ultrapassei os da minha mente? Uns acham que é loucura imaginar-se no corpo de outro; uns acham intensamente interessante, já que dizem que não estamos sozinhos pelo universo. Mas não gosto de me imaginar sendo clichês, pois muitos já o são. Chatos. Tradicionais. Me encontro exatamente nessa oposição. Na oposição que às vezes mistura-se com um olhar topando o meu e eu, naquele exato momento, podendo ver a alma, sugar suas batidas e transformá-las em minhas... suas dores, em minhas alegrias e vice-versa.

Não posso ser a única. Mas me vejo tanto como. Talvez todos estejam tão ocupados com suas vidas robóticas, a ponto de não refletirem mais. De não serem mais. Os pingos nos “is” somem. Suas vontades são programadas. Acordar, trabalhar, trabalhar e trabalhar. Fingir amar. Fingir estar, ser e permanecer.

Posso estar tremendamente enganada. Quem sou eu para “julgá-los” ? Mas meus olhos não perdem nada. Isso realmente diz algo? Já que sou a contrariedade em pessoa. Risos. Achar um ponto de apoio em meio à loucura é angustiante. Nunca sei aonde estão minhas afirmações. Nunca sei aonde estão minhas negações. Meu liquidificador misturou as letras. Misturou minhas palavras, sendo agora delineadas por qualquer tipo não específico de pensamento correndo entre minhas veias. Será que alguém entende? Uma crônica sobre mim? Ou quero falar para o mundo? Mas quem é o mundo? Serão os olhares que batem com o meu? Ou isso seria egoísmo? Sou apenas um, uma? Que diferença faz?

Minhas pernas estão tendo um tic. Tic nervoso. Fazendo suas próprias batidas. Sua melodia silenciosa. Preciso de outro cigarro. Mas percebo que ainda estou sentada, observando tudo.

Mariana Rufato
Enviado por Mariana Rufato em 05/05/2013
Código do texto: T4275889
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