"Esses direitos humanos"
Sinto que pouco a pouco estamos construindo um discurso cada dia mais moralista e autoritário sem nos darmos conta de que talvez estejamos perdendo algo que nos foi dado de graça: os direitos humanos.
Ao contrário do que muitos dizem, os direitos humanos não se aplicam apenas aos presos. Eles se aplicam a nós - mulheres, que hoje temos direito a herdar, casar, separar, estudar, trabalhar (ou não), defender-se contra a violência doméstica, o assédio sexual, a prostituição, entre outras coisas.
Eles se aplicam às pessoas que não têm condições de pagar um convênio médico, ou mesmo quando as têm, não recebem o tratamento adequado pela rede particular e são obrigadas a recorrer ao setor público, ao judiciário, para obter os cuidados necessários, ou medicamentos de alto custo, cujo salário de um brasileiro da classe média alta, não seria suficiente para bancar.
Também se aplicam a favor e contra a imprensa: a favor quando essa presta um serviço social adequado e faz denúncias contra aqueles que abusam dos poderes; ao protegerem as pessoas que velam pela moralidade de nossos administradores. Assim como são contra os profissionais oportunistas, interessados apenas nas vendas dos periódicos e não na qualidade e veracidade da informação difundida.
Protegem os que foram presos injustamente, ao tentar impedir que essas pessoas sejam torturadas ou tenham grande parte de suas vidas roubadas por policiais, promotores, juízes e, às vezes, até advogados, não tão cautelosos no cumprimento de seus deveres.
Os direitos humanos também possibilitam que pessoas que se sintam atraídas pelo mesmo sexo, não tenham seus direitos roubados. Que possam transmitir suas propriedades, deixar pensões, e dividir patrimônios, com aqueles que estiveram ao seu lado durante toda a vida.
Permite que católicos, evangélicos, espiritas, teístas, ateus, agnósticos e outros possam conviver em harmonia. Sem que vivamos guerreando, como aconteceu no passado e ainda acontece pelo mundo.
Por isso mesmo, o Estado não deve proibir nem incentivar uma crença específica, pois quando o faz, geralmente o que sobra são homens, mulheres e crianças, mortos em nome daquele que deveria nos livrar do mal.
Eles se aplicam à crianças, que queiram ou não, não sabem discernir o certo do errado e precisam ser guiados por aqueles que deveriam lhes proteger: família, escola, igreja, estado...
Nossos ancestrais construíram esse legado. Inúmeros morreram para que hoje possamos viver relativamente em paz. Morreram por nossa liberdade física, cultural, moral, espiritual. Morreram para que patrões concedessem salários minimamente decentes, para que não morrêssemos de fome ou esgotamento. Morreram para que reis se submetessem à leis e não fôssemos julgados de acordo com o humor do monarca ou do chefe do distrito. Morreram para que mulheres tivessem direito à propriedade, ao voto, a escolha de seus parceiros, ao divórcio, a uma carreira. Muitas podem dizer que esse acúmulo de tarefas não nos trouxe benefícios, mas, infelizmente, são poucas as que não tiveram que "carregar metade do céu" sobre as costas. O fato de não termos direitos, infelizmente, não alivia nosso fardo.Fomos e somos a base da sociedade. Enquanto os homens guerreavam e caçavam, éramos nós que mantínhamos a agricultura, a tranquilidade de nossos lares, a segurança de nossos filhos. Morreram para que homossexuais, deficientes mentais e físicos, ou para aqueles que simplesmente não se enquadram nos padrões sociais, não fossem excluídos da sociedade.
Esses direitos humanos, não devem ser defendidos apenas por aqueles que abraçam árvores, fumam baseados, acadêmicos, defensores públicos, membros da magistratura e do ministério público. Eles devem ser cuidados e vigiados pelo evangélico, pela mulher dona de seu próprio nariz, pela dona de casa que não trabalha fora, pelo homem branco ou negro, pelo trabalhador e pelo não trabalhador. Eles representam a todos nós. O que somos, o que podemos e o que queremos ser. Sem eles, não somos nós.