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INCOMUNICAÇÃO

 
      Mesmo que não seja um procedimento, digamos assim, socialmente correto, mesmo assim prefiro o tal termo à incomunicabilidade. Esta pressupõe gente engaiolada, posta na chave, quiçá sob algum tipo de sessão de tortura, ao passo que o termo a que me refiro é mais leve, bem-comportado.  
 
      A incomunicação pesa menos e pode durar, no tempo-espaço, apenas por obra de poucos minutos. O vocábulo está no mestre Aurélio e no Houaiss, justo na acepção por este escriba utilizada: falta de comunicação.
 
      Pois vi, em carne e osso, essa pessoinha chamada de incomunicação. E, como sou do signo das comunicações, eu lanço aqui o meu incisivo protesto contra quaisquer modelos de incomunicabilidade e de incomunicação.
 
      No restaurante, além de outros clientes que seguram o celular, à meia distância e à minha esquerda, casal sozinho, à mesa, estava imerso na mais completa incomunicação. O par não falava, entre si. Havia zero diálogo. Apenas parolava ao telefone. Ô celulares doces, os que usavam aqueles dois! Calculo como se portam em casa, à cama e no reajuste das contas mensais.
 
      Sinceramente, estou propenso a achar que a palavra «incomunicação» existe, em carne e osso. Se ela não existisse, aqueles dois não se evitavam tanto. Olhem bem! Sem fraseado quilométrico, o tal casalzinho não tirava o celular do ouvido. Uma coisa demais. Era demais!
 
      Em face do ocorrido que meus olhos observavam, mas sem dar nas vistas do par, o que fiz eu? Logo deduzi que o caso do casal era caso de incomunicação. O cidadão ainda parava, fazia breves intervalos. Mas já ia de novo pondo a mão na massa; a senhora, não. Era de ouças acesas e nariz enfiados no celular.
 
      Uma bem notória e inveterada amostra de incomunicação. E tudo por conta desses hábitos modernosos e pequeno-burgueses dos dias atuais. Avaliem aí a dimensão do problema: outro dia, em plena rua central, uma mulherzinha chocha, de celular enfiado à orelha, abalroou comigo, bem na tábua da minha lapela. Absorta, no meio da calçada, nem aí para o resto mundo.
 
      Volvamos ao casal... Ou seria na cama, também, ou, então, apenas estaria emburricado, ocasional e socialmente, aquele dueto do restaurante? Questão lá deles. Briga prévia, talvez, enfaro normal da convivência prolonga. Talvez mau-humor simultâneo, interesses adversos, parceiros trocados, ciúmes, quem sabe incompatibilidade de gênios, ou sei lá o quê.
 
      A dama circunspecta, bonitona, óculos de sol à testa, raramente se ria ou fazia algum trejeito. Só no papo mais interminável. Impressionante aquilo de falar pelos cotovelos. Ela certamente daria uma belíssima deputada, para só parlamentar em desfavor do povo.  
 
      Minha dedução pode enfeixar uma tese: a teoria da incomunicação. Se dois sexos opostos tanto parlamentam, ao celular, num sem cessar constante, podem escrever aí no papel: algo vai dando errado. Zebra, com certeza. E, no caso, o celular era o bicho mais importante da face da Terra.
 
      Pronto! Bateu-me foi um insight, agora mesmo. Coisa bem batata, uma teoria científica, que criei. Sem mais nenhuma dúvida, estou certo de que, da espreita da minha cidadela, descobri a pólvora. Dei de proa com um pequeno grande ensaio da incomunicação.
 
      Algo sem afeto, nada de beijinhos, olho no olhar nem mão na mão. Tão somente, a intervalos, e por tira-gosto dos bate-papos à distância, uma golada no copo de cerveja. Ave, incomunicação!  
 
Fort., 05/05/2013.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 05/05/2013
Reeditado em 05/05/2013
Código do texto: T4274935
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