Sonhos de consumo, ontem e hoje (Memórias de Guanhães-MG)
Eu tinha uns cinco ou seis anos de idade. Havia na venda do Carlos Padrinho uma coisa que enchia-me os olhos quando ia até lá com meus irmãos para comprar pão: rosquinhas de trigo!
Mas eram vetadas as compras, eram caras... feitas com carinho, moreninhas por cima com pinceladas de ovo e açúcar fazendo-as brilhar, enroladinhas artesanalmente, uma delícia (por isso eram caras). Pequeninas que cabiam em minha mão, e assim a sedução era garantida.
Num dia 10 de dezembro, pelas 19:00 horas, meu aniversário, aparece lá em casa, sem o saber, o saudoso Sr. Jonas Queirós, com seu chapéu de feltro, paletó e calças da mesma cor e impecáveis que lhe davam um justo ar de fidalguia do século XVIII. Tratava-me sempre por "prezado", com voz grave e respeitosa, estendendo a mão direita para cumprimentar-me efusivamente, ou seja, tudo que um menino daquela idade gosta de ouvir, sentindo-se um homenzinho, doido pra deixar a infância para trás (Peter Pan era um palerma mesmo...).
Senhor Jonas, surpreendido com a inesperada notícia do meu aniversário, deu-me os parabéns, meteu a mão no bolso e no meio de uma das notas tirou uma de... Cr$100,00! Cem cruzeiros! PQP ! A maior nota em circulação, como se hoje fosse a de R$100,00. Mas tinha um poder de compra bem mais alto que esta de Fernando Henrique Cardoso. Papai se surpreendeu e até disse que não precisava, aquelas coisas convenientes. Os irmãos chegaram juntos e viram ali uma oportunidade de negócio! :-)
Peguei a nota ! Era o meu presente de aniversário, ora!
- Como é que fala, Dalmir?
- Brigado...
Segurei a grana e o assunto dos adultos retornaram a algum ponto deixado, e esqueceram-se de mim. Sorrateiramente, saí da sala. Pegue a direção da porta e a rua do Pito tornou-se ,de repente ,numa espécie de Wall Street, negócios à vista! Atravessei-a e caí na Venda do Padrinho. Assim que me coloquei frente ao balcão, ele estava do lado de lá e teve que esticar o pescoço para me ver, tão pequenino eu era.
- Você tá sozinho? – preocupado.
- Tô.
- E o que é?
- Rosquinha... - e apontei o dedo para as danadas no balcão de vidro, onde as queridas aguardavam pelo pequeno milionário.
- Quantas?
- Um tanto assim - e fiz um volume com as mãos.
Ele encheu-me um saquinho com uma seis rosquinhas entregou-me. Tirei a nota de Cr$100,00. O Biquica do Deraldo estava ao lado, viu a e achou graça.
- Uai, Dormir! Você tá rico, heim! - chamava sempre assim, Dormir.
Recordo-me do Carlos Padrinho ficar espiando a nota durante um momento e olhar pra minha cara, meio perdido. Com o saquinho das minhas riquezas em mão, comecei a comer uma e fui saindo. Ouvi a voz que veio detrás.
- Espera, Ferrugim! O troco! - disse Carlos Pereira.
Voltei e esperei-o fazer uma contagem demorada e devolveu-me um bololô de tanta nota e pratinha, que não cabia na mão. Enchi os bolsos, que parecia levar ali duas gias do ribeirão Bonsucesso que Bafo e Régis pegavam quase todas as noites.
Cheguei em casa mastigando uma rosquinha e um saquinho na mão cheio delas. Retornei à sala e lá continuava o colóquio entre papai, mamãe e Jonas Queirós.
Ferrujo, que lembrou-se de salvaguardar a nota de Cr$100,00 , perguntou-me, dando pela minha presença.
- Cadê a nota que o Jonas te deu?
- Comprei rosquinha...
Não que me arrependa de tê-lo feito, mas hoje não compraria rosquinhas. Talvez uma garrafa de vinho tinto português Barca Velha. ;-) Hoje e ontem, rosquinhas do Padrinho e Barca Velha soam-me iguais: “ Os sonhos não envelhecem”.