O CASO DE FÉLIX

O CASO DE FÉLIX

Alex Costa

Félix nasceu chorando, porém, ligeiramente: tristeza nunca esteve em seus planos.

Filho único. Dentro dele residia um sonho. Quando lhe indagavam sobre o que gostaria de ser quando crescesse, a resposta era única e firme: dizia que queria ser catador de materiais recicláveis, ou gari, como queiram chamar. No começo seus pais riam daquilo, era apenas um “sonhozinho” tolo de criança, não se concretizaria.

Mas o tempo foi passando e cada vez mais o desejo pela profissão se fortalecia dentro de Félix, e a preocupação já se fazia presente entre os diálogos familiares quanto àquela imbecil decisão do menino que agora se encaminhava para adolescência. Mas vejam só: que mal teria o garoto apreciar e querer fazer seu aquele que era um trabalho tão digno quanto os outros ? Que pecado seria esse tão terrível ?

Desde que ainda era “picototinho” Félix admirava aqueles homens do caminhão do lixo. Admirava aquela gritaria quando passavam correndo de um lado pro outro da rua a juntar sacolas, caixas e até mesmo lixo espalhado pelos moradores mal-educados e animais que procuravam o que comer; tudo aquilo lhe encantava ! Queria ser igual àqueles valorosos homens ! E não ligava para o odor nem pras várias vezes que haviam lhe dito que ‘’lixeiro’’ ganhava pouco, pois não faria aquilo por dinheiro, faria por que gostaria e principalmente por ser divertido. Era isso: já estava decidido.

Acontece que, como já disse, a vida é rua: reta ou torta, longa ou curta, um mistério.

Quando já estava no último ano da escola e já se preparava para um concurso da prefeitura para ‘’garis’’, a vida pregou-lhe não uma peça, pois prefiro dizer que deu-lhe um palco, pois o acidente em si foi uma peça, mas a sua vida tornou-se um teatro para as diversas outras que estariam porvir. Aconteceu em uma tarde: subira em uma escada para trocar uma telha quebrada, se desequilibrou, e caiu usando a mão esquerda para aliviar o impacto, conseguiu uma fratura exposta e teve que amputar a mão. Ao voltar para casa sem um pedaço do sonho, percebeu que não poderia mais realizar o tão querido desejo de tornar-se um profissional na área que tanto sonhava.

Sempre fora um jovem aplicado nos estudos. Em alguns anos era o melhor da turma e em outros era o segundo, tudo bem. Mas e agora, o que poderia fazer de bom para si, para o seu futuro, se seu sonho caiu por uma escada ? Foi ficando cada vez mais triste e esmorecido com a vida, mas decidiu seguir em frente. Concluiu o ensino médio e, como havia percebido que teria que escolher outra profissão para si, decidiu prestar vestibular para o curso de administração, passando em primeiro lugar.

Formou-se com mérito e reconhecimento, mas não com felicidade. Entendia o que um profissional da área administrativa fazia e ele sabia fazer com excelência, porém, nunca saíra do seu coração o desejo pela profissão de infância, aquela que sempre foi seu sonho e que agora o futuro arrancou de seus braços, ou melhor, de sua mão. Trabalhou um tempo para outros patrões, pessoas que apenas queriam saber de dinheiro e lucros, pessoas ricas e podres. Em pouco tempo montou seu próprio negócio: uma grande sucata de materiais recicláveis, a maior da cidade, era agora o patrão.

O senhor Félix morreu anos depois, já velhinho e viúvo. Fora um grande empresário, dono de muitas fábricas e sucatas, mas sofrendo anos a fio com um corrosiva inveja daqueles pobres infelizes que chegavam com carrinhos lotados de material recicláveis para serem vendidos em sua sucata-sede, onde ele coordenava todos os movimentos dos funcionários de uma sala de monitoramento, e onde de quando em vez tomava dois goles de chá em sua xícara preferida, segurando-a com sua única mão.

Alex Costa
Enviado por Alex Costa em 04/05/2013
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