Por causa do poeta Hermílio
* O comentário que faria respondendo ao poeta Hermílio Pinheiro sobre a pergunta acerca do que acontece às margens do Rio Sergipe tornou-se crônica.
* O comentário de Hermílio:
"Vi no Bom dia Brasil uma matéria sobre a maré alta invadindo uma parte da orla de Aracaju.(Estou certo?). Sem dúvida este acontecimento inspirou-lhe o poema, que se tornou belo, ainda que triste. Olha só isto: "As vísceras da casa secular estrebuchando" e no final "Os tortos, os corretos, os mortos". O "despeito do tempo", impiedoso, não nos deixará escapar desse juízo final. É isso aí Tânia"
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Sim, isto está acontecendo. Isto do Rio Sergipe fazendo festa de poesia na conhecida “Rua da Frente”, mas vejo que a mídia exagera de alguma forma. Até penso que tenha a ver com algo cultural e relacionado ao cartão de visita que é a atual Avenida 13 de Julho. Entretanto, morando aqui, no Centro, desde sempre, e estudando em colégios e faculdade localizados nas proximidades, sempre vi o Rio Sergipe bater nas amuradas e suas ondas misturadas com as do Atlântico atravessarem a avenida. Particularmente, sempre achei algo poético, lindo, encantador.
Gostava de sentir aquelas águas molhando minha farda, até dava um jeito de ficar mais perto e de ver as garças. Apesar de temer as águas e de jamais ter tido coragem para levar adiante o projeto de nadar, aquilo me fascinava. Ainda me fascina. Fico pensando quanta beleza perderemos se construírem ali, ao longo da avenida, um paredão que, além de ser um motivo para o gasto do dinheiro público, não impedirá a força das águas.
Da calçada do imenso logradouro público é possível ver tanta beleza natural, os coqueiros do outro lado, os barquinhos, as garças passeando na areia, sobrevoando o frescor das águas do Rio Sergipe. Muitos casais sergipanos começaram namoro ali, olhando a manhã azul de Aracaju, cantada por Mário Cabral; e abraçadinhos na Ponte do Imperador. Dessa ponte os moleques de rua faziam trampolim e nem se importavam com a lenda que dizia um melro gigantesco morar sob esse monumento. Até contavam que, certa vez, o melro engoliu um pote de barro que viera do mercado municipal.
Não por isto exatamente nasceu o poema Tanta coisa que parecia valiosa... De toda forma, algo tem a ver. Explico. Vinha de uma faculdade localizada no centro de Aracaju, pertinho de minha casa e pertinho desse cenário acima mencionado. Apesar dos perigos que rondam aquele local, preferi seguir caminhando um pouco até encontrar um táxi. Tenho essa nostalgia de apreciar os ambientes íntimos da minha infância e adolescência. Aliás, continuadamente íntimos.
Passando pelas calçadas, vi um senhor de idade, estava sentado em um banquinho improvisado. Ao seu lado uma fila de sacos enormes de lixo. Fiquei sem saber se o senhor cuidava de uma casa com aspecto de abandono ou se cuidava dos sacos de lixo. Penso que cuidava de tudo, inclusive da solidão. Olhou para mim e disse: boa noite, senhora. Respondi e segui. Observei que, mais para frente, a rua se tornava mais escura e solitária, aquela rua que fora tão linda, movimentada, as senhoras conversando, as moças namorando e as crianças brincando de roda. Fui ficando mais e mais nostálgica. Fiquei pior quando alcancei a esquina e vi homens e mulheres sentados em cadeiras na calçada de um bar cheirando à sopa dormida. Vi homens conversando com os amigos e tomando cerveja. Aproveitei o sinal fechado, atravessei a rua. Foi então que via uma casa que, pelo estilo, dizia: eu fui construída no início do século XX. Vi a cena contida no poema, vi novamente o passado. Vinha um táxi. Entrei e me danei a chorar. Escrevi o poema.
O poema
Tanta coisa que parecia valiosa...
As vísceras da casa secular estrebuchando
Entupindo a calçada
Tanta coisa que parecia valiosa
Tornada lixo
Tudo escuro lá para dentro
O corredor um breu imenso
Foi assim que pude ver
O despeito do tempo
Os tortos
Os corretos
Os mortos