Histórias do sertão – O menino gazo
No sertão de antigamente não existia energia elétrica, não senhor. Quando anoitecia, acendiam-se lamparinas e lampiões de gás. E a noite era lá fora escura e estrelada, senão salpicada de vaga-lumes errantes. Ouvia-se o coaxar de sapos, grilos em canto uníssono e o farfalhar das folhas das carnaubeiras prateadas pela lua cheia.
O cheiro das serpentinas queimando para espantar as muriçocas e do querosene enchia todo o ambiente. A luz inquieta tremulava nos cantos, criando sombras nas paredes, formando vultos fortuitos que se esgueiravam para dentro dos quartos escuros, onde eram guardados baús ancestrais, cheios de silêncios e histórias inacabadas, que nas noites chuvosas saiam em segredos assustadores, para serem enfim contadas. O vento noturno e frio que vinha das capoeiras soprava constante, tremulando a chama das lamparinas, enfeitiçando as sombras disformes e espectrais nas paredes.
Era nesse ambiente sombrio e fantasmagórico que as histórias de assombração eram narradas pelos mais idosos. O cheiro gostoso de café se anunciava para o alpendre.
Contou-se assim, certa vez, a história de um homem com uma dor. Mas não era uma dor qualquer, não. Era uma dor lancinante, aguda, cruciante. Médico nenhum sabia o porquê daquela dor que afligia diuturnamente aquele homem. Ele andava assim sofrido, andava de lado, como se carregasse um peso enorme, um espinho mortal. Não havia analgésico que lhe aliviasse. Alguns diziam que era por ele ser caixeiro viajante e passava dias em cima de um cavalo e ainda por cima tinha que carregar muito peso da mercadoria que transportava.
Uma vez ele voltava de uma viagem e sua esposa viu quando ele passou pela janela com um menino na garupa de seu cavalo. Notou também que o menino se agarrava a ele tenazmente pela cintura. Quando entrou em casa, ela curiosa e intrigada, então lhe perguntou quem era o menino que veio engarupado com ele. Surpreso, respondeu que não tinha trazido ninguém na garupa de seu cavalo. A mulher insistiu que tinha visto um menininho gazo, sujo, que se agarrava com ele na garupa. Ao ouvir isso, o homem empalideceu e caiu de joelhos diante de uma imagem de Nossa Senhora que tinha na sala. Naquele mesmo dia adoeceu de tal forma que ficou acamado, delirando, pronunciando palavras desencontradas. Dizia que tinha um crime terrível nas costas, morrendo poucos dias depois.
A esposa desgostosa se mudou daquela casa, que por muitos anos ficou abandonada. Ninguém tinha coragem de passar pela estrada que havia ao lado. Alguns desavisados que passaram, juraram ter visto um menino lourinho em cima de um cavalo e de seus braços saiam espinhos afiados.
O vento soprou frio apagando a lamparina.