A alcunha

Nunca gostei de alcunhas principalmente as ofensivas. Sendo que as dirigidas a mim ou aos meus familiares, tinham o condão de me tirarem do sério.

Por saberem isso, os mais velhos usavam e abusavam de uma alcunha que puseram ao meu pai, sabendo que com isso me arreliavam. Tinham que ser os mais velhos porque os da mesma idade acharam por bem, não me arreliar depois de uma cena que eu tive com Victor, um rapaz da minha idade, mas muito mais desenvolvido, de tal forma que quando brincava comigo, fazia-me dar uma volta no ar tal era a sua força, mas vamos aos factos:

O meu pai trabalhava para os meus tios (Os Eiras), responsáveis pelo reboco e pintura das casas. Numa ocasião, foram fazer uma obra fora da terra, perto de São João do Monte.

O tratamento dos colegas para o meu pai era o sobrenome da família Eira. Então qualquer coisa era Eira isto, Eira aquilo. Era assim que o dono da obra o conhecia.

Acabou-se o trabalho e o dono ofereceu uma merenda ao pessoal, para isso convidou-os para a adega, onde previamente a esposa dispusera já sobre uma grande arca, os petiscos. Mal começara a comer quando foi servido o vinho, o meu pai ficou enojado ao ver tirar o vinho de um tonel todo borrado com bosta de vaca, já não comeu nem bebeu.

O dono ao ver que o meu pai desconhecia aquele hábito da terra em tapar as juntas dos pipos com bosta, disse:

- Beba, beba, seu Teia, não tenha receio.

O proprietário não tinha percebido bem o sobrenome de Eira e pensou que era Teia.

A partir daquele momento, os operários passaram a brincar com a situação e volta e meia repetiam: «beba, beba seu Teia, não tenha receio». Passado uns tempos a alcunha do meu pai era Teia p’ra aqui e Teia p’ra acolá.

Eu detestava a alcunha pois via nela uma falta de respeito, que o meu pai ignorava. Os rapazes ao verem que eu ficava arreliado com a alcunha passaram a tratar-me por Teia.

Um dia num jogo de futebol, o Victor jogava na minha equipe e lembrou-se de dizer: «Ó Teia passa a bola». A bola não passou, fui eu e ela juntos direito ao Victor, e de perto, chutei com toda a força que a raiva me dava, contra ele. O impacto na barriga foi de tal ordem que o tombou. Outro qualquer em meu lugar teria fugido, com medo da resposta daquele matulão, que me levantava com uma mão. Mas eu de cabeça perdida esperava que ele se levantasse, para logo a seguir, lhe deferir uma canelada que o fez soltar um urro de dor. A partir daí foi uma luta em que nos engalfinhamos rebolando pelo chão e sem que a sorte pendesse para qualquer dos lados. Até que a alguém nos conseguiu separar.

No Domingo seguinte, novo jogo.

- Ó Tonio, passa bola. – Era o Victor, que sem rancor assim me tratava.

Tinha ganho respeito de todos. O certo, é que já ninguém cara a cara se atrevia a tratar-me pela alcunha.

Ainda adolescente, vim para Lisboa e nunca mais me lembrei desse episódio, só há dois anos pela páscoa, e na adega do Victor, essa história veio a lume recordada por um amigo comum, ao relembrar os nossos tempos de garotos.

Lorde
Enviado por Lorde em 02/05/2013
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