"MANDUQUINHAS..."
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Era pontual: às 22hs, tocava um apito na fábrica Amapoly, no bairro do Morro da Liberdade, avisando que um turno havia acabado e outro se iniciava.
Mas para os garotos que moravam, em plena década de 70 durante o Governo Militar, som era difundido como sendo das “Manduquinhas”, antigos fuscas utilizados pela Polícia Militar, mandando dizer que era o momento certo para a gurizada dormir. Metia um medo danado e eu me cobria dos pés à cabeça para fingir que começava a dormir! Só fingia porque o sono inocente dos justos demorava a chegar, pois ele deveria fazer muitos atalhos inúteis e desnecessários para um menino assustado e medroso como eu era em meus 10 anos de idade; sonhador, porém!
Diziam que o menino que fosse pego na rua depois daquele horário andando sozinho nas ruas do bairro, pelas
“Manduquinhas” da PM, era levado preso para as Instituições “Melo Mattos” (para meninos) ou “Maria Madalena” (para as meninas). Ninguém queria correr o risco de ser pego sozinho e sair de lá com o cabelo raspado com gilete e, por isso, todos tratavam de se recolher em suas camas. Eu fazia isso também, embora demorasse a dormir para acordar cedo no dia seguinte e seguir à pé, com sandálias havaianas nos pés, para aprender minha lições de meu antigo segundo ano primário, levando meu caneco de plástico azul para receber uma merenda horrível feito com coisas que eram mais horríveis ainda! Mas, eu seguia firmemente para meu calvário!
Era uma sensação estranha e gostosa ouvir o apito da fábrica. Gostosa porque era ora de ir para cama. Estranha porque nos dias de hoje isso é uma raridade no imaginário das crianças, que sempre desejam que o coletivo seja desrespeitado e o individual venha a prevalecer. Em pequenas coisas da época ficaram as marcas de nossa infância sem maldade e comprometida com o futuro que desejamos alcançar rápido: filmes, brincadeiras, bola na rua, bolinhas de gude, soltar pipas, sempre com os amigos que mais considerávamos.
Agora, na época digital, não existem essas brincadeiras gostosas de um passado não tão distante assim – mas já se passaram pelo menos 42 anos. Existe, sim, uma molecada conectada, falando em uma linguagem estranha, escrevendo com palavras reduzidas e, depois, pensando que essa é a correta maneira de comunicação, são reprovados em concursos, provas, vestibulares ou entrevistas de emprego porque não sabem escrever além daquilo que colocam como verdades nas redes sociais.
Mas voltando às “Manduquinhas”, sempre a meninada tinha medo e, eu costumava me cobrir dos pés à cabeça porque imaginava de forma infantil que assim eu não poderia ser encontrado. Só bobagem porque bastaria descobrir-me e todos veriam que eu não estava dormindo, mas apenas fingindo que dormia. E assim foi levado minha vida: trabalhando, estudando e sonhando!
Criança tem uma imaginação fértil demais, mas éramos mais felizes do que a geração conectada de hoje. Eu acho!