Ler é um atraso

Minha mãe contava que certa vez o pai dela perguntou ao amigo qual era a razão de ele não colocar os filhos na escola. Ele lhe respondeu que frequentar escola era um atraso. Sem compreender tamanho contrassenso, meu avô perguntou-lhe:

— Como pode ser um atraso?!

E ele explicou:

— Se eu mando o meu filho à venda e ele encontra um pedaço de jornal, ele vai parar, pegar o pedaço de jornal e ficar lendo. Dessa forma vai demorar a chegar com a encomenda que eu pedi.

Desde que minha mãe me contou isso, eu nunca mais me esqueci. Só que eu me lembro por que “esse atraso” sempre acontece comigo. Arrumar a casa então, é um atraso por que em todos os cômodos que entro, tem sempre alguma coisa para ler. Aí é vassoura para um lado, pano para o outro e eu assentada no chão lendo. Mas que atraso maravilhoso! É através dele que as mentes se abrem, que entramos em contato com o mundo e com as pessoas... Ficamos sabendo o que aconteceu, o que os formadores de opinião pensam, o que foi comentado sobre determinado fato. Passamos a interagir com o mundo e a conhecer uma infinidade de coisas.

Na verdade o motivo que me faz comentar isso não é exatamente para falar do vício da leitura e, sim, para falar das pessoas que não foram acometidas por ele. São àquelas que têm preguiça de ler mais que um parágrafo de qualquer texto, que não conseguem passar da nona página de um livro. Tentam, tentam e não saem do lugar.

Mário Quitana, aquele poeta sorridente, espirituoso e extremamente simpático, dizia: "O verdadeiro analfabeto é aquele que aprendeu a ler e não lê." Isso é a pura verdade! Quem é analfabeto por não ter tido a oportunidade de aprender, não foi testado, não teve a opção, mas o que aprendeu e não o faz é que deveria ser considerado analfabeto.

A zeladora da Mãe Rainha, uma imagem de Nossa Senhora que visita as casas uma vez ao mês, me disse que fica até sem graça de mandar os recados para as pessoas que a recebem, com letras tão grandes e, acima de tudo, grifadas com marcadores de textos chamativos. Mas que se não o fizer, as pessoas não leem o recado. O mesmo acontece com os avisos publicados na última página do Sinal de Unidade, o folheto do Santuário de Nossa Senhora da Piedade. Se a nota for um pouco maior, os fieis não tomam conhecimento.

Fico tentando entender o porquê de a leitura ser tão pouco atraente para algumas pessoas e se tornar um vício para outras. Diz o provérbio: “Nem tanto ao mar nem tanto à praia”. Acredito que no caso da leitura esse provérbio não se aplique. É bom que ela seja o extremo, o vício. Só não vale perder o emprego por causa dos atrasos, é claro!

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 01/05/2013
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