Maio e as duas mães


     No mês de maio, que hoje se inicia, duas mães são homenageadas: a nossa, e Maria de Nazaré, mãe de Jesus. Isso basta para fazê-lo o mês mais simpático e doce do ano. Nenhum outro o supera em ternura e significado.

     É o "mês elegante", escreveu o famoso cronista João do Rio, pertencente à chamada  belle époque brasileira, na sua crônica mariana, publicada em maio de 1916, lançando mão do seu reconhecido e elogiado poder de síntese.

     Como homenageamos a nossa, viva ou morta? Mais ou menos assim.

        A mãe viva: vamos ao Shopping ou ao armarinho da esquina. Compramos uma joia, uma bolsa, um berloque; um presentinho simples e delicado, e lhe oferecemos, com um cartãozinho carinhoso, dizendo-lhe do nosso eterno amor e agradecimento.
     A mãe morta: vamos ao cemitério. E lhe enfeitamos o túmulo com rosas vermelhas ou brancas. Não mais com aqueles inodoros cravos de defunto, que só traduziam e evidenciavam a nossa dor, nossa tristeza.
     Se, por acaso, ela tiver sido cremada, providência tão comum nos dias que correm, suas fotos, nos porta-retratos espalhados pela casa, terão, o dia todo, olhares de amor e gratidão. 
     Há os que voltam aos velhos álbuns de família. E recordam, sem esconder a saudade, os momentos felizes vividos com fulana, com sicrana, com beltrana. E apontando-as, dirão: "Aqui, minha mãezona!"

      A mãe viva: vamos com ela a um restaurante. E lhe ofertamos o melhor e o mais caro prato do cardápio. Ou preparamos, em casa, aquele farto e suculento almoço. Ela é a convidada de honra. Permanecerá longe, bem longe da cozinha. 
      A mãe morta: vamos à igreja. E por ela fazemos uma piedosa oração - talvez aquela que um dia ela nos ensinou a rezar. Um minuto de oração. Um minuto de oração bem feito, caprichado vale mais do que mil missas, respeitando, claro, as opiniões contrárias. 
      Ah, são muitas as maneiras de homenagear as nossas mães, vivas ou mortas!

    Minha mãe, Maria Luiza, está entre as mães mortas. Ela morreu em 2003. 
     Dias depois de sua morte, descobri, no fundo de seus baús, dois caderninhos, visivelmente usados.
      Neles ela escrevia, diariamente, o que ela pensava, o que ela sentia; suas angústias e alegrias; seus segredos, e até declarações de amor ao falecido marido, aos filhos e aos netos. 
     Enfim, ali estava a sua bonita história, vivida numa caminhada que durou 96 anos.  Tudo escrito num português modesto, mas honesto e fácil; compatível com o seu grau de instrução, o primário.
     Ela vinha do tempo em que a Escola Primária deixava a pessoa prontinha para ler e escrever sem sobressaltos, sem embaraços, sem acanhamento. 

     Este ano, no dia 12 de maio, vou homenageá-la de maneira bem diferente.

      Não vou ao Jardim da Saudade, onde descansam os seus restos mortais. 
     Vou reler os seus caderninhos... Porque neles eu a recordo como ela era: alegre, espirituosa, franca, romântica e Mestra. Neles, ela está mais viva do que nunca... Será o meu reencontro com ela, dizendo-lhe: Bença, mãe! 

    Agora, o maio de Maria, mãe de Jesus. Creio nela.
     Um bom prosador, sobre o maio de Maria, dirá muito; mas, somente um inspirado poeta dirá tudo sobre o que se convencionou chamar de o mês mariano. Lamento: não sou nem uma coisa nem outra. Não sou um prosador e muito menos um vate.

     Isto, porém, não me impede de cantar, em pobre prosa, o maio de Maria. 
     Ainda que para dizer o óbvio, ou seja, que o maio de Maria é belo! Mês das novenas; dos sorrisos francos, espontâneos; dos abraços fraternos; das flores viçosas e cheirosas. Tão meigo que, nos velhos tempos, foi o "mês das noivas". 

     João do Rio, escrevendo sobre o que ele chamou de "o mês da adoração de Maria", disse que, em maio, "o céu e os jardins também se enfeitam". E completa: "Há mais estrelas e mais flores..."

      Em uma de minhas crônicas, não me recordo qual, pedi - quão petulante sou eu! - pedi, repito, que o Dia Internacional da Mulher passasse a ser comemorado, no Brasil, em maio, o mês de nossas mães e de Maria, mãe de Jesus, e não em março. E disse por quê. 

     Fui chamado de ignorante. E que, com "proposta tão absurda", eu apenas confirmava o meu total desconhecimento do verdadeiro motivo que determinara a justa homenagem ao "belo sexo", como se dizia nos tempos doutrora, em março.
     Maio: segundo a Mitologia romana, seu nome deriva da deusa Bona Dea, a deusa da fertilidade. Maio é um mês mulher. Por isso, não mudei de ideia. E podem me xingar.


 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/05/2013
Reeditado em 26/10/2020
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