ROSTOS A NOS OBSERVAR

Numa noite, após o jantar, sentamos no varandão do “grande hotel”, pois lá era o local onde pernoitavam os “hospedes” mais graduados e ficamos a observar o resto do acampamento. À nossa frente ficavam a piscina e uma quadra poliesportiva que era mais usada para o tênis. Mas à noite ninguém se atrevia a jogar, já que ficava próxima da cerca que divisava o terreno onde começava a mata. O acampamento era todo iluminado com gerador próprio até as 24:00 horas.

O acampamento fora construído sobre um cemitério indígena, diziam os habitantes locais e funcionários serviçais. Existiam muitas lendas de vultos que se movimentavam quando as luzes eram apagadas. Até os vigilantes temiam. Nessa noite conversavam comigo o Administrador e sua esposa que já estavam influenciados pelas crenças locais. Num determinado momento ela disse:

- Vejam, eles estão lá.

- Quem? Perguntei.

- Não sei de quem são esses rostos, devem ser os espíritos dos índios mortos que aqui foram enterrados.

Olhei com bastante atenção e vi mesmo algumas figuras entre as árvores que pareciam rostos que nos observavam.

- São efeitos de luz e sombra. Disse eu.

- Você não tem medo? Perguntou-me?

- Não. Disse eu.

- Então vá até lá, valentão. Disse-me ela.

Foi um desafio irônico, ela não me conhecia. Segui em direção à mata, atravessei a quadra e me coloquei junto à cerca. Confesso que fui tomado por um frio que me eriçou os poucos pelos que tenho, mas tinha bastante cabelo e deu para perceber que ficaram em pé. Nada vi, mas sentia que estava sendo observado. Era uma sensação estranha. Pensei: “Acho que estou com medo. Deve ser isso”. Sabia que atrás de mim era tudo limpo e se algo aparecesse, era só correr. Fiquei ali olhando para a mata por alguns segundos e voltei.

- Eu não vi nada. Disse.

- Vimos daqui que você ficou bem perto dos vultos, disse ela.

- Isso prova que são efeitos de luz e sombra. – É possível que quando as luzes forem apagadas esses rostos desaparecem, disse eu.

De fato, não vi tais vultos depois que se apagaram as luzes. “Gente supersticiosa”, pensei eu.

Numa noite, depois de três meses de trabalho, estresse e muita solidão, cheguei ao acampamento depois de meia noite. Tudo estava apagado. Deixei a Van no estacionamento e indo para o apartamento, vi um vulto que se rastejava em minha frente. Direcionei a lanterna e nada vi. Fiquei tomado de pânico. Tinha certeza de ter visto algo e segui para o apartamento cismado. Não saí mais à noite, pois um trecho do caminho era muito escuro, muito embora saísse de Van. Sorte que o trabalho estava chegando ao fim. O dia das Mães estava se aproximando e eu já estava há mais de três meses sem comunicação com a família. Estava estressado, solitário e magro, pois só comia enlatados. Numa tarde de sábado junto com um morador local, fomos visitar uma aldeia indígena a não muito longe do acampamento. O cacique que, segundo ele, trabalhou ou trabalhava para a Funai e falava vários dialetos, confirmou-me que de fato o acampamento estava sobre um cemitério. Em sua oca estava uma foto do Marechal Rondon com o qual tinha servido. A conversa foi boa, mas eu não via o tempo de sair da aldeia, dada a grande quantidade de moscas.

Eu consegui chegar às vésperas do Dia das Mães. Na tarde de domingo fui visitar minha madrinha e meu pai espiritual e presenteei-o com o arco e a flecha que recebi do cacique em troca de alguns cruzeiros. Ele então me disse:

- Eu estive com você o tempo todo. Eu estava na mata quando você de mim se aproximou.

- Fui eu que lhe empurrei para aquele avião e o escondi. – Ninguém lhe viu e você não conversou com ninguém no avião. (outra grande e misteriosa aventura).

Gelei naquele momento. Com quem eu teria, então, conversado? Bastou um segundo de reflexão e acho que entendi tudo. Aqueles rostos que nos observavam, eram ele e sua tribo e eu só me lembro de ter conversado (no avião) com a aeromoça. Quem seria então? Mistério!!!

Amigos do Recanto, se o texto não ficou muito claro, isto é, meio trocado de assunto, é porque tentei fundir duas crônicas que estão em um livro meu ainda não publicado, no qual narro acontecimentos de várias viagens que fiz durante uns 25 anos pelo Brasil. No comentário que fiz a Joel Costadelli em seu conto de terror “O livro dos Mortos” eu lhe disse que qualquer dia eu ia publicar um acontecimento de terror. Não sei se meu caso chegará a dar arrepios em alguém, mas me deixa intrigado até hoje.

SANTO BRONZATO - 01/5/2.013.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 01/05/2013
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