ODE AO SHORTINHO

Quando cheguei nessas paragens, tinha apenas poucas peças de roupas numa sacola velha de viagem. Trouxe também alguns sonhos e outros tantos de expectativas sobre mim e o futuro. O que me impulsionava era o ânimo aventureiro, um capricho, quase uma necessidade de começar uma vida nova, com novas esperanças. Acertar novos acertos e errar outros tantos erros também (perdoem-me pela redundância). Quem assim como eu deixou para trás, a uns mil quilômetros, o feijão da mamãe, o cafuné da mulher amada, os amigos, a praia e tudo mais de tão lindo que nunca notamos, sabe o que eu estou falando.

Não que eu me arrependa da estada por aqui, ou reclame do lugar escolhido para viver. Pelo contrário, mal desembarquei e já fui me apaixonando. Como não se encantar com as belezas naturais, o poente visto do pontilhão, o trem apitando ao contornar a represa ou esse povo que acorda cedo e vai colher seus sonhos? O problema é que a saudade funciona como sal, temperando nossas vidas de lembranças e recordações e na medida errada costuma desandar tudo. Não tem idade ou ocasião que baste para pesar seus efeitos nocivos.

Entre as saudades mais volúveis, a que mais me desintegra e deixa cabisbaixo é ausência dos shortinhos. Não deles propriamente dito, mas as moças que os enchem e preenchem de alegria, graça e beleza para ver e imaginar. Era inverno, à época que atingi essas terras e respirei pela primeira vez esse ar interiorano. Lamentei, porque todas as mulheres andavam bem escondidas na elegância e garbo de adornos hibernais. Porém, para minha surpresa, o verão atingiu seu clímax e nada de shortinhos. Quando muito, uma bermuda à altura dos joelhos ou os uniformes das saradas de academia. Não é a mesma coisa.

Amigos leitores devem concordar comigo (talvez os homens, em sua maioria) da perfeição, do agrado aos olhos que é compartilhar a presença das mulheres e seus shortinhos. Antes que me acusem, deixo claro que não sou nenhum pervertido, tarado ou coisa do gênero. Mas o que seria mais libertador que pernas adequadamente descobertas, livres e desimpedidas? Tão revolucionários quanto os sutiãs queimados em praça pública são os shortinhos que transitam pelas ruas e avenidas, em busca de igualdade de direitos, sintonia com a natureza e o cenário urbano, numa malemolência subversiva. Sou contrário a exageros, claro. Na medida certa – nem muito curto nem bermudão – ele mexe com nossos imaginários e nos inspira. A graça está em não ser tão expositivo quanto um biquíni, deixando-nos a pensar sobre as formas que ele se entrega, abraçando-se ao corpo, hibridando-se a ele: mulher, pernas, jeans, como um só ser, uma só divindade, uma só emoção. Sem ser “shortinhófilo” ou “shortinhólogo” acredito que o jeans ainda sobressaia sobre os outros materiais. Lycra talvez chegue perto, mas sem tanta euforia.

E é disso que sinto falta, onde aqui, as mulheres sempre muito esbeltas resistem a ceder aos prazeres desses curtinhos. Talvez medo de parecerem menos elegantes ou mais vulgares (no sentindo de trivial). Clima não é desculpa, pois calor abunda. Existe estação mais sensual que o verão? Donde venho, os homens e seus chinelos de dedo, as mulheres e seus shortinhos, são soldados de uma rebelião, talvez uma batalha contra os modismos e a falta de conforto.

Tenho vontade de chorar de alegria quando me lembro de Denise (Preta) e suas coxas de morena brasileira. Ou Dezza e suas pernas saradas, malhadas e inacessíveis; aplausos cada vez que desfilavam perto de mim. E a linda Yasmim? Ah Yasmim! Essa merece uma crônica a parte, uma poesia, um conto talvez... melhor, um livro inteiro: “Eu e minhas demandantes desventuras bucólicas, amorosas e revolucionárias com o chuchuzinho chamado Yasmim”. Quando a vi com seu shortinho de lycra sensual, primeiro quis gritar, depois pedi-la em casamento. Para sorte dela, não fiz nenhum dos dois.

Bem, agora voltarei à minha nova realidade, com os terninhos, as saias no joelho e a tradicional calça jeans. Foi bom relembrar os momentos estivais e despudorados. Continuarei a fingir que não sinto falta, assim como morro de vontade de ir ao shopping passear por entre as lojas, ir ao cinema e mostrar toda a minha rebeldia com meu par de chinelos azuis e brancos. Quem sabe em uma próxima, no final do inverno, algumas pernas sintam uma necessidade frenética de usufruir do sol e aquecer nossos corações?

Super Bacana
Enviado por Super Bacana em 01/05/2013
Reeditado em 01/05/2013
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