Bolo de Cenoura
com Cobertura de Chocolate
Sérgio é o marido da minha aluna Patricia e no começo ele não queria fazer aula de inglês comigo de jeito nenhum. Talvez por achar que eu não seria aquela Brastemp de teacher por dar aula em casa. Mas um dia, enquanto falava com um colega dele, chamado José Antônio, sobre cursos de inglês, o Sérgio ouviu José elogiar por demais a teacher dele. Sérgio resolveu pedir o nome e número de telefone dela. José falou que ela se chamava Patricia, morava no Jaraguá e que o número dela era XXXX-XXXX. Sérgio ficou com a pulga atrás da orelha ...
SIM! A Patricia confirmou. "É a mesma Sérgio! Não lhe disse que ela é muito boa mesmo!? Eu falei!" Como o mundo é pequeno, né! O coitado do Sérgio teve que engolir sapo! Um monte!
Sérgio ligou e marcamos hora e data para nossa primeira aula. Ele chegou no horário combinado, houve muita interação e ele saiu feliz da vida prometendo que faria o possível e o impossível para evitar qualquer falta por que queria 'enhance' (melhorar; dá um upgrade) o seu inglês tanto na conversação quanto na parte escrita.
Depois de uns três meses de aula, duas vezes por semana, o Sérgio continuava firme com as aulas. Sempre muito responsável, nunca deixando de fazer seu homework, sempre cumprindo com o horário mas sempre um pouco reservado. Ele era meio sisudo e misterioso. A Patricia se orgulhava ao contar suas estórias sobre o marido e como ele era dócil, carinhoso e romântico. Porém eu conhecia um Sérgio calado. Eu procurava sempre variar nos assuntos que giravam em torno de 'business' e EHS (Environment, Health & Safety, que abrange o Meio-Ambiente, Saúde e Segurança). Tinha que cutucá-lo para tirar assunto para nossa conversação render e ele sair da aula satisfeito e feliz consigo mesmo.
Certo dia, com as crianças na escola, resolvi fazer um bolo de cenoura e só faltava colocar a cobertura de chocolate quando o Sérgio chegou 10 minutinhos mais cedo. Fui até o portão e cumprimentei o Sérgio, "Hi there Sérgio! Everything okay with you?" Sérgio responde, "Yeah, Teacher! Everything´s great! And with you?" Estava respondendo quando do nada o Sérgio me perguntou, "Tem bolo de cenoura?" Nossa! Ele sentiu o cheirinho do bolo daqui do portão? Ah não! Brincadeira! Ele ficou todo ouriçado e perguntou novamente, "Teacher, você fez bolo de cenoura? Fez?" Respondi que sim mas que faltava a cobertura. Ele foi logo subindo as escadas e entrando em casa. Ele se sentou e sem o menor constrangimento pediu um pedaço de bolo. Falei que terminaria de colocar a cobertura e que serviria depois da nossa aula com um cafezinho mas, o Sérgio indagou, "Por que não agora? Estou morrendo de vontade de comer este bolo de cenoura!" Eu disse que estava ainda quente e que poderia fazer mal. Ele ficou desolado com o que falei mas aceitou a minha decisão. Pedi licença e fui rapidinho pra cozinha colocar a cobertura no bolo de cenoura.
A nossa aula daquele dia girou em torno da palavra >>PARECER<<. Se parecer através de olhar, você vai usar "LOOK". Se for através do som, vai usar "SOUND" e assim por diante. Um verbo distinto para cada um dos cinco sentidos.
Mas vira e mexe, Sérgio olhava pro seu relógio e se remexia na cadeira.
Quando chegamos no >>PARECER<< do olfato, perguntei ao Sérgio, "What smell, aroma or perfume reminds you of your childhood?" (Qual cheiro, aroma ou perfume faz você lembrar sua infância?) O Sérgio me fitou e disse: "Carrot cake with chocolate frosting smells like my childhood." (Bolo de cenoura com cobertura de chocolate tem cheiro da minha infância."
Fui logo pensando que ele estava tirando uma com a minha cara mas, quando eu ia questioná-lo, ele já se prontificou para concluir seu pensamento. "My mother made carrot cake twice a week before getting my brother, sister and me at school in the afternoon. We used to arrive and the smell of carrot cake filled our home. The smell reminds me of my mother and that´s why I love carrot cake, Teacher, so could you please give me my slice of cake now?" (Tradução: "Minha mãe fazia bolo de cenoura duas vezes por semana antes de buscar meu irmão, minha irmã e eu na escola à tarde. Costumávamos chegar e o cheirinho do bolo de cenoura enchia nossa casa. O cheiro me faz lembrar minha mãe e é por esta razão que adoro bolo de cenoura, Teacher, por isso, você poderia me dar o meu pedaço de bolo agora?")
Depois da confissão assinada, como não servi-lo um pedaço de bolo de cenoura!
Sérgio não atacou o bolo de cenoura mas o contemplou com seus olhinhos que pareciam faíscas, depois o colocou bem pertinho no nariz para sentir o seu cheirinho com os olhos fechados e assim ficou alguns minutinhos. Parecia um ritual e ao sentir que estava pronto, ele comeu seu pedaço de bolo de cenoura bem devagarinho. Devagarinho mesmo.
Depois de levar uns dez minutos para comer um pedaço de bolo, o Sérgio me pediu um segundo pedaço que gentilmente ofereci. Só que ao comer o seu segundo pedaço, ele acabou contando que quando tinha uns oito anos, a mãe veio a falecer de câncer. Imaginei a tristeza e também a revolta do pequeno Sérgio e também dos irmãos dele. Eu também perdi a minha Mãe mas, aos 47 anos e achei uma tremenda sacanagem ela ter sido arrancada assim tão cedo do meu mundo, da minha vida, dos meus braços. Agora, imagine a dor do Sérgio ao perder a mãe dele aos oito anos de idade!
Sérgio disse que quando ele sente o cheirinho de bolo de cenoura no ar, ele fica meio que assanhado e vai logo 'cheirando' seu caminho até o bolo. Dei risada e perguntei, "Como assim Sérgio?" Ele respondeu que quando ele sente o cheiro do bolo perto da casa dele, ele simplesmente sai em busca do bolo, só que leva a Isabella, sua filhinha por que quando ele rastreia a casa do bolo de cenoura, ele toca a campainha e pergunta se tem bolo de cenoura. A desculpa esfarrapada para tal feito é a filha Isabella de dois aninhos que adora bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Eu olhei bem pra cara do Sérgio e perguntei seriamente, "Você tá brincando, né?" Com um sorriso frouxo nos lábios e a boca cheia de bolo, ele respondeu, "Tô não!" Ele engoliu aquele pedaço de bolo e falou, "Desde que mudamos pro condomínio quando Isa tinha um ano e uns quatro meses a minha investida nunca falhou", e deu uma risadinha bem marota.
Sérgio tomou seu cafezinho e ao terminar agradeceu pelo quitute. Respondi que tinha sido um prazer proporcionar aquele momento especial para ele. O Sérgio me fitou nos olhos e disse, em inglês mas, como a estória tá boa, vou fazer a tradução já: "Teacher, depois que a minha mãe morreu, meu pai simplesmente deixou de viver. Meus irmãos me criaram, meu pai só viveu pra trabalhar lá no Ceasa de domingo à domingo. Raramente tivemos um momento em família com ele. Tudo era só nós três irmãos. Quando minha irmã arranjou uma receita de bolo de cenoura depois de uns dois anos, ela fez uma surpresa para nós e creio que a partir daquele momento meu pai foi tocado ao comer o bolo de cenoura. Incrível que possa ser mas, o bolo ficou igualzinho ao da minha mãe! Meu pai deu uma leve mordida e logo em seguida disse sorrindo que era igualzinho o bolo de cenoura da 'Minha Rosaura'. E era mesmo, Teacher! Igualzinho!"
Preciso lhes dizer que meus olhos transbordaram de lágimas?
Sérgio foi embora depois de duas horas de aula e a viagem no túnel do tempo. Me apressei para buscar as crianças na escola pois já eram 17:00 e o sinal batia 17:15. Precisava voar ...
Chegando na escola meus filhos já estavam no portão e quando me viram vieram correndo me abraçar. Criança até uns sete anos não tem vergonha da mãe e muito menos dos abraços e beijos dela.
Abracei meus filhos e distribui beijinhos também para depois perguntar como tinha sido as aulas naquele dia e no final soltei um, "Vambora! Fiz aquele bolo de cenoura com cobertura de chocolate!"
Como é delicioso ouvir nossos filhos em plena euforia! E tudo por causa de um bolo de cenoura com cobertura de chocolate! Sérgio que o diga!
Espero que a vida me dê a chance de fazer muitos bolos, ou cupcakes pra Helô e Matheus, e quem sabe, até para meus bisnetos!
Sérgio é o marido da minha aluna Patricia e no começo ele não queria fazer aula de inglês comigo de jeito nenhum. Talvez por achar que eu não seria aquela Brastemp de teacher por dar aula em casa. Mas um dia, enquanto falava com um colega dele, chamado José Antônio, sobre cursos de inglês, o Sérgio ouviu José elogiar por demais a teacher dele. Sérgio resolveu pedir o nome e número de telefone dela. José falou que ela se chamava Patricia, morava no Jaraguá e que o número dela era XXXX-XXXX. Sérgio ficou com a pulga atrás da orelha ...
SIM! A Patricia confirmou. "É a mesma Sérgio! Não lhe disse que ela é muito boa mesmo!? Eu falei!" Como o mundo é pequeno, né! O coitado do Sérgio teve que engolir sapo! Um monte!
Sérgio ligou e marcamos hora e data para nossa primeira aula. Ele chegou no horário combinado, houve muita interação e ele saiu feliz da vida prometendo que faria o possível e o impossível para evitar qualquer falta por que queria 'enhance' (melhorar; dá um upgrade) o seu inglês tanto na conversação quanto na parte escrita.
Depois de uns três meses de aula, duas vezes por semana, o Sérgio continuava firme com as aulas. Sempre muito responsável, nunca deixando de fazer seu homework, sempre cumprindo com o horário mas sempre um pouco reservado. Ele era meio sisudo e misterioso. A Patricia se orgulhava ao contar suas estórias sobre o marido e como ele era dócil, carinhoso e romântico. Porém eu conhecia um Sérgio calado. Eu procurava sempre variar nos assuntos que giravam em torno de 'business' e EHS (Environment, Health & Safety, que abrange o Meio-Ambiente, Saúde e Segurança). Tinha que cutucá-lo para tirar assunto para nossa conversação render e ele sair da aula satisfeito e feliz consigo mesmo.
Certo dia, com as crianças na escola, resolvi fazer um bolo de cenoura e só faltava colocar a cobertura de chocolate quando o Sérgio chegou 10 minutinhos mais cedo. Fui até o portão e cumprimentei o Sérgio, "Hi there Sérgio! Everything okay with you?" Sérgio responde, "Yeah, Teacher! Everything´s great! And with you?" Estava respondendo quando do nada o Sérgio me perguntou, "Tem bolo de cenoura?" Nossa! Ele sentiu o cheirinho do bolo daqui do portão? Ah não! Brincadeira! Ele ficou todo ouriçado e perguntou novamente, "Teacher, você fez bolo de cenoura? Fez?" Respondi que sim mas que faltava a cobertura. Ele foi logo subindo as escadas e entrando em casa. Ele se sentou e sem o menor constrangimento pediu um pedaço de bolo. Falei que terminaria de colocar a cobertura e que serviria depois da nossa aula com um cafezinho mas, o Sérgio indagou, "Por que não agora? Estou morrendo de vontade de comer este bolo de cenoura!" Eu disse que estava ainda quente e que poderia fazer mal. Ele ficou desolado com o que falei mas aceitou a minha decisão. Pedi licença e fui rapidinho pra cozinha colocar a cobertura no bolo de cenoura.
A nossa aula daquele dia girou em torno da palavra >>PARECER<<. Se parecer através de olhar, você vai usar "LOOK". Se for através do som, vai usar "SOUND" e assim por diante. Um verbo distinto para cada um dos cinco sentidos.
Mas vira e mexe, Sérgio olhava pro seu relógio e se remexia na cadeira.
Quando chegamos no >>PARECER<< do olfato, perguntei ao Sérgio, "What smell, aroma or perfume reminds you of your childhood?" (Qual cheiro, aroma ou perfume faz você lembrar sua infância?) O Sérgio me fitou e disse: "Carrot cake with chocolate frosting smells like my childhood." (Bolo de cenoura com cobertura de chocolate tem cheiro da minha infância."
Fui logo pensando que ele estava tirando uma com a minha cara mas, quando eu ia questioná-lo, ele já se prontificou para concluir seu pensamento. "My mother made carrot cake twice a week before getting my brother, sister and me at school in the afternoon. We used to arrive and the smell of carrot cake filled our home. The smell reminds me of my mother and that´s why I love carrot cake, Teacher, so could you please give me my slice of cake now?" (Tradução: "Minha mãe fazia bolo de cenoura duas vezes por semana antes de buscar meu irmão, minha irmã e eu na escola à tarde. Costumávamos chegar e o cheirinho do bolo de cenoura enchia nossa casa. O cheiro me faz lembrar minha mãe e é por esta razão que adoro bolo de cenoura, Teacher, por isso, você poderia me dar o meu pedaço de bolo agora?")
Depois da confissão assinada, como não servi-lo um pedaço de bolo de cenoura!
Sérgio não atacou o bolo de cenoura mas o contemplou com seus olhinhos que pareciam faíscas, depois o colocou bem pertinho no nariz para sentir o seu cheirinho com os olhos fechados e assim ficou alguns minutinhos. Parecia um ritual e ao sentir que estava pronto, ele comeu seu pedaço de bolo de cenoura bem devagarinho. Devagarinho mesmo.
Depois de levar uns dez minutos para comer um pedaço de bolo, o Sérgio me pediu um segundo pedaço que gentilmente ofereci. Só que ao comer o seu segundo pedaço, ele acabou contando que quando tinha uns oito anos, a mãe veio a falecer de câncer. Imaginei a tristeza e também a revolta do pequeno Sérgio e também dos irmãos dele. Eu também perdi a minha Mãe mas, aos 47 anos e achei uma tremenda sacanagem ela ter sido arrancada assim tão cedo do meu mundo, da minha vida, dos meus braços. Agora, imagine a dor do Sérgio ao perder a mãe dele aos oito anos de idade!
Sérgio disse que quando ele sente o cheirinho de bolo de cenoura no ar, ele fica meio que assanhado e vai logo 'cheirando' seu caminho até o bolo. Dei risada e perguntei, "Como assim Sérgio?" Ele respondeu que quando ele sente o cheiro do bolo perto da casa dele, ele simplesmente sai em busca do bolo, só que leva a Isabella, sua filhinha por que quando ele rastreia a casa do bolo de cenoura, ele toca a campainha e pergunta se tem bolo de cenoura. A desculpa esfarrapada para tal feito é a filha Isabella de dois aninhos que adora bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Eu olhei bem pra cara do Sérgio e perguntei seriamente, "Você tá brincando, né?" Com um sorriso frouxo nos lábios e a boca cheia de bolo, ele respondeu, "Tô não!" Ele engoliu aquele pedaço de bolo e falou, "Desde que mudamos pro condomínio quando Isa tinha um ano e uns quatro meses a minha investida nunca falhou", e deu uma risadinha bem marota.
Sérgio tomou seu cafezinho e ao terminar agradeceu pelo quitute. Respondi que tinha sido um prazer proporcionar aquele momento especial para ele. O Sérgio me fitou nos olhos e disse, em inglês mas, como a estória tá boa, vou fazer a tradução já: "Teacher, depois que a minha mãe morreu, meu pai simplesmente deixou de viver. Meus irmãos me criaram, meu pai só viveu pra trabalhar lá no Ceasa de domingo à domingo. Raramente tivemos um momento em família com ele. Tudo era só nós três irmãos. Quando minha irmã arranjou uma receita de bolo de cenoura depois de uns dois anos, ela fez uma surpresa para nós e creio que a partir daquele momento meu pai foi tocado ao comer o bolo de cenoura. Incrível que possa ser mas, o bolo ficou igualzinho ao da minha mãe! Meu pai deu uma leve mordida e logo em seguida disse sorrindo que era igualzinho o bolo de cenoura da 'Minha Rosaura'. E era mesmo, Teacher! Igualzinho!"
Preciso lhes dizer que meus olhos transbordaram de lágimas?
Sérgio foi embora depois de duas horas de aula e a viagem no túnel do tempo. Me apressei para buscar as crianças na escola pois já eram 17:00 e o sinal batia 17:15. Precisava voar ...
Chegando na escola meus filhos já estavam no portão e quando me viram vieram correndo me abraçar. Criança até uns sete anos não tem vergonha da mãe e muito menos dos abraços e beijos dela.
Abracei meus filhos e distribui beijinhos também para depois perguntar como tinha sido as aulas naquele dia e no final soltei um, "Vambora! Fiz aquele bolo de cenoura com cobertura de chocolate!"
Como é delicioso ouvir nossos filhos em plena euforia! E tudo por causa de um bolo de cenoura com cobertura de chocolate! Sérgio que o diga!
Espero que a vida me dê a chance de fazer muitos bolos, ou cupcakes pra Helô e Matheus, e quem sabe, até para meus bisnetos!