NA PAZ DO SENHOR...
Estou só... Terrivelmente só.
Sinto-me triste e resolvi apelar para os sentimentos desta máquina, que há muito me faz companhia. Nela deposito minhas confidencias, lamurias e desconfortos... E de nada ela reclama. Somente sinaliza onde eu possa ter esquecido um acento, um ponto... Silenciosamente.
Ah! Como seria bom se na vida assim fosse também. E acredito, pensando bem, que seja assim. Nós é que não enxergamos os sinais mudos, silenciosos que recebemos. Nem mesmo nos tropeços... Muitas vezes praguejamos, mas não observamos os sinais.
Somos tão senhores de si que nem imaginamos alguns erros. Há erros gritantes; muitas vezes os pagamos caros demais, às vezes, com a própria vida. Não são desses que estou falando. Mas os pequenos; tão pequenos que acabamos passando por cima e seguindo adiante. Mas inexplicavelmente, vão se acumulando e como grãos de areia, quando menos esperamos e precisamos ,lá estão uma enorme pedra sepulcral. E acaba por nos enterrar.
Tive tantos ideais, tantos sonhos e por todos eles lutei muito... Muito mesmo.
Conheci tanta gente... Tantos apertos de mãos, abraços, tapinhas nas costas. Tantos agradecimentos, depois de muitos pedidos... Houve também muitas caras feias, descontentamentos dos menos agraciados... Mas qual!Nem mesmo Deus agradou a todos... Coisa mais antiga de se dizer.
Mas nada disso nos incomoda tanto quando recebemos de pessoas de fora... Aborrece, potencializa a impotência. Duro mesmo, quando acontece em nossa própria família... Pior então, quando vem de nossos filhos. É aí que a coisa machuca fundo, cala nas entranhas, nos aferroa como bicho peçonhento envenenando nossos fios de comunicação interna.
Levam-nos as lágrimas, que correm aleatoriamente pela face corada e febril, falta nos o ar... E a primeira pergunta nos vem à mente... Onde erramos? Onde nos perdemos?Segui pela direita e os perdi em algum entroncamento? Sei lá, não sei. E mesmo que tenha sido assim, como voltar? Agora que não sou mais necessário?
Vi ao longo da minha vida, muitas pessoas com certa idade já; demonstrarem no olhar um misto de tristeza e firmeza, amor e dor, sombras e calor, luz e morte, vida mesclada de nuvens. Olhar astuto no presente com perguntas do passado, para respostas no futuro.
O que detectava nesses olhares, me incomodava sobremaneira, mas passava adiante e acabava por esquecê-los, mas hoje sei o que significam... Entendo todo o mecanismo, que nos deixaram em comum acordo; chocados diante do que estamos presenciando acontecer em nosso mundinho interior; aparvalhados com nossa própria reação. Um rodamoinho de sentimentos e emoções, que com toda nossa experiência, velhice, caretice, ou conhecimento desse espetáculo chamado vida; deixam-nos sem reações (as corretas pelo menos), afloram mais as emoções, indignados diante da afronta, do sapatear em nossa historia, do pouco caso com nossa existência.
Recebi tantas honrarias... Vi tanta degradação... Mantive os valores, passei adiante, de aluna a professora, de filha a mãe, armada em campo a juiz em cadeira de veludo. Tinha os pés com asas, um coração com coração, acompanhava a evolução como piloto da força aérea... Bah!
Hoje não preciso de asas nos pés; eles caminham na toada da experiência, coração remendado com outro ressecado, talvez de mãe não seja avó (tudo indica até aqui), sem munição e sentada numa cadeira de plástico. Ninguém mais se interessa pelas lições da professora. Tanto defendi e hoje não consigo me representar. Hoje os pilotos têm outros rumos de evolução.
Hoje nada tenho a oferecer que cintile mais que meu amor, minha atenção, meu carinho. Que tenha mais luz que meus olhos, mais sabor que meus beijos, mais lembranças que minhas rugas. Meus cabelos prateados brilham mais que os sorrisos dos filhos e o interesse de acaricia-los.
Pronto! Como sempre o papel aceitou o desabafo.
Agora com o coração em paz, meus pensamentos tornam se egoístas; e exige de mim uma reflexão.
Sempre fui acompanhada por uma Força Maior, sempre fui guiada por uma Mão Suprema. Nunca parei para sentir que me davam colo. Meus pés alados, as turbinas da vida sempre ligada não me permitiam parar para conhecer da maneira que merecia o que havia nas entrelinhas da minha vida. Havia Alguém que nessas entrelinhas escrevia minhas vitorias muitas e fracassos poucos; e que talvez por algum momento em que ficasse sem tinta permitiu algumas tragédias. Dores terríveis essas que me fizeram agarra-lo mesmo que sem muito conhecimento. Eu o chamava de Deus e com Ele batia longos papos vivendo sempre pendurada.
Mas há um ano, Ele deixou me ser muito maltratada, mais humilhada e minou minhas forças. Não me deu catástrofes, não me tirou sangue, não perdi meus controles. Recolheu minhas asas de Apolo, adormeceu minha oratória, fragilizou meu campo de defesa, boicotou minhas turbinas e me empurrou ribanceira abaixo.
Mas lá embaixo colocou algumas pessoas de prontidão. Primeiro alguém que me deu colo e limpou minhas feridas causadas pelo tombo... Falando docemente Daquele que me empurrou. Sabendo que eu tentaria Confrontá-lo, usou de sabedoria, pois, como pessoa que sou que presa pela educação jamais O Afrontaria em Sua Própria Casa convidou-me a entrar e nela surpreendida encontrei tudo que mais procurava.
Hoje passados quase um ano, ainda é atual o que passo com os meus... Mas agora pertenço ao Meu Senhor.
Hoje sei que Ele usou de estratégia para que eu O conhecesse verdadeiramente.
Dizem que quando envelhecemos, voltamos a ser criança. Assim sou uma jovenzinha sexagenária nos bancos de aprendizagem da minha nova vida.
Hoje nada tenho a oferecer que cintile mais que meu carinho e amor pelo Meu Deus e irmãos que me receberam; que tenha mais sabor que meus beijos que dedico a eles. Nada tenho a oferecer que reluz mais que meu olhar e o sorriso que dedico a minha verdadeira vida, vida de MULHER DE UNÇÃO. Ao mundo nada devo, nem satisfação.
Meus cabelos prateados hoje serão coroa de honra amanhã enquanto estão no caminho da justiça. E brilharão intensamente.
Estou na Paz do Senhor...