Meu amigo era um cara bonito

Nunca concordei com essa história de que a beleza é fundamental, mesmo porque sempre fui feio e morei longe, quando pequeno, andava de calça curta. Mas tem gente que acredita nessa inverdade como se ela fosse uma realidade concreta e absoluta. Algumas pessoas passam a maior parte do seu tempo olhando-se no espelho. O pior é que nem sempre enxergam o que estão vendo de fato.

Na juventude eu tinha um amigo que se destacava porque era forte e formoso. Sua beleza chamava a atenção de todos, era realmente um cara bonito. As meninas não desgrudavam os olhos dos seus olhos azuis e nem os homens diziam que ele era veado ou coisa parecida. Só que, nenhuma menina conseguia namorá-lo por muito tempo. Cada dia ele estava com uma garota diferente, cada qual mais bonita. Ninguém entendia essas mudanças.

Os anos foram passando e ele permanecia solteiro. Os amigos foram se casando, alguns já estavam com a segunda mulher e ele, nada! As pretendentes diziam que a conversa dele era muito chata, que não conseguia formular uma ideia que pudesse ser discutida entre duas pessoas normais. Falavam até que ele não conseguia contar até dez.

Na escola nunca foi um bom aluno, chegava sempre atrasado e tirava notas ruins. O negócio dele era fazer serviços que não requeriam o uso do cérebro por muito tempo. Tinha preguiça até de falar. Não pensava além de um palmo de distância.

Quando imaginávamos que ele fosse ficar mesmo um solteirão, apareceu com uma moça que era exatamente o contrário dele: baixa, feia e rica. Ela havia acabado de se mudar para o nosso bairro. Pelo visto, ainda não conhecia a fama do nosso nobre amigo. Passou a andar com ele para baixo e para cima, era um grude que mais parecia um super bonder daqueles que nem é preciso colocar na geladeira depois de aberto. A essa altura do campeonato, ele havia se tornado um fazedor de bico daqueles bem vagabundos, mas permanecia de todo, um homem bonito.

Logo eles se casaram. Formavam um par sem muita convicção, foram morar mais para o centro da cidade em uma casa bem confortável. Ela, como disse, tinha algumas posses.

Passado alguns meses eu estava lá na beira do ribeirão pescando alguns bagres quando ele chegou.

__ E aí Juvêncio, virou pescador?

__ Não.

__ E o que foi que o trouxe aqui?

__ Vim jogar minhas colheres de pedreiro fora.

__ Por quê?

__ Quem casa com mulher feia merece algumas regalias.

Não perguntei mais nada, ele jogou as colheres no córrego e foi embora.

Dias depois, encontrei meu amigo caminhando em direção ao mesmo córrego.

__ Aonde você vai?

__ Vou ao córrego para ver se ainda revejo as minhas ferramentas.

__ E as regalias?

__ Que regalias?

__ Você não disse que quem casa com mulher feia merece

regalias.

__ Eu falei isso?

__ Falou.

__ Certamente eu não estava falando da minha mulher.

__ Com certeza, com certeza!

Fiquei calado, mas aqui dentro do peito, tive a mais nítida certeza de que a beleza não é mesmo fundamental.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 26/03/2007
Reeditado em 08/10/2017
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