O lampejo das divergências femininas
“Ah, como outrora me parecia tão espirituosa. Já se foram as épocas que me entregavam aos olhos famintos e impetuosos, cheios de desejos carnais pelas minhas curvas, ressaltando em vestimentas inadequadas para as confraternizações familiares. Ainda assim não me deixava por baixo. Intensificavam-se os olhares, conforme eu caminhava e circulava ao redor do banquete. Á tardar admiravam-me. E eu sabia quais eram seus pensamentos e vontades. Apenas limitava-me aos risos, para que não demonstrasse o prazer que sentia em ver aquilo. Logo, descobri-me mulher e então, percebi que não olhavam para mim, por minha desenvoltura em largos passos e salto alto, mas sim, porque sou encantadora, porque acima de um rosto belo e um corpo esbelto, sou mulher. Minha feminilidade junto de meu perfume ofegante fazia-lhes fracos e sedentos de mim. Como toda e qualquer mulher, resistir aos meus encantos foi um desafio e impiedosa, minha graça encontrou-se na descrição e no desinteresse.”
Mulheres. Somos nós mulheres. Em suas mais diversas formas. Dentre os cachos e ondas de seus cabelos compridos, cheios de cores e volumes. Onde o vento os lança ao ar, como se dançassem em harmonia com o som dos arcos. Do feudal ao romancista. Tantos lisos, tantos longos, tantos curtos ou o nada. Caem sobre os ombros, cobrem o colo, disfarçam e nos escondem como segredos. Guardam-nos como preciosidades. Limitam-nos á expor nossas verdades e talvez nossos risos incontidos. Por trás das sensações, cobrimo-nos de farsas. Temos sonhos como véus e grinaldas, sapatos brancos e coroas. Algumas já nem os cobiçam, apenas intensificam os momentos por sua casualidade e informalidade. Nada muito exposto, o que te esconde assemelha maior agrado. Todavia, o outro lado se opõe. Prioriza os valores de uma união, degusta os sabores da alma quando passa de uma aventura. Em ponto, há o tudo e há o nada. Desde os loiros claros, os castanhos e os negros, ou os pigmentados em tons de acaju. Aos olhares cintilantes ou recalcados, em colorações negras, azuis, tons de mel ou feito esmeraldas. Fitam todos os movimentos, por vezes minuciosos detalhes. Friccionam as pessoas e as gravam. Em suas memórias ou então, nas suaves e breves lembranças. Seus lábios resguardam gostos, sabores, delírios, ou então, singelos toques já feitos. Os seus dentes dosam risos. E em suas complexas geometrias, despem-se como sutis. Armam seus escudos para evitarem arrependimentos. Isolam-se em grupos de três ou quatro, lamentando as perdas tidas. Abraçam em rodas. Notam-se como espelhos côncavos. Ferem-se, mutilam-se, enojam-se. Criam mundos ilusórios, com príncipes e sapos. Organizam-se por fases. Rascunham a vida em papéis rasurados. Impõe suas regras e prioridades. Cozinham seus pensamentos, dentre as marés e dilúvios numa panela em fogo. Tecem longos bordados. Plantam. Colhem. Saciam a fome, com gotas d’água. Regurgitam ao sentirem-se culpadas. Visualizam imagens inversas. Declamam as próprias controvérsias. Viram-se, imitam-se. Riem de vestimentas, caçoam das bizarras falhas alheias. Fofocam e mentem. Logo, desmentem e omitem. Julgam e condenam, mas logo, penam. Fecham-se em seus próprios buracos, depois laçam flechas procurando algum alvo á acertar. Leem os lábios e os livros. Assistem e criticam. Confundem seus sentimentos. Despedaçam o vidro, logo unem os cacos. Sofrem e choram. Gritam e imploram. São inocentes e adúlteras. Talvez, pintem algumas luas nuas. Fazendo poses em um alto teor de sensualidade. Demonstram seu interesse, logo se afastam. Reluzem vitalidade. E mesmo que catastróficas, fingem bem em cenas. Fazem de suas vidas um jogo de vai e vem. Uma peça teatral. Um musical. Uma orquestra em sinfonia. Até o canto lírico, com a displicência instrumental. Essas são as mulheres. Tais quais, suas demagogias são extremamente fortes. Elas lideram. Conotam o poder. Lutam pelas suas prioridades e exibem seus valores. Cobiçam o direito de exercer seu potencial de igual para igual. Sobretudo, rendem-se ao fervor. Deitam-se em camas nas noites frias, com seus amados parceiros, ou então desconhecidos. Fazem-se melhores. Tomam vários porres. Intercalam entre os casos e acasos, um ou outro maço de cigarros. Progridem, trabalham, esforçam-se. Caem, levantam e logo elevam suas faces. Dedicam seu tempo para a constituição de uma família. Ou para com a restituição de um valor até então perdido. Correm e pelejam pelo reforço de uma classe menosprezada. Até que ao fim, de uma vez por todas, em suas gramáticas mal elaboras, em suas feições desfiguras, nas peles manchadas e no suor do feitio empregadas, as mulheres somam a força. Unem-se em pró ao reconhecimento e as revoluções sociais. Para que toda a adolescência conturbada e a vida esforçada, seja merecidamente gratificada. Quando a mesma passara meses com um feto em seu ventre e pelo perlongar de sua vida, após todos os conflitos já enfrentados, lhe tragam o alguém. Aquele qual correrá diariamente em tua direção. Lançando-se aos seus braços já humanizados e dirá em tons claros e altos: “Obrigado por tudo, você é minha heroína. Eu te amo, minha mamãe”. Para que logo, assim como os sonhos almejados e exatidão disputada, surja o amor. E que contemple a vida de uma confusa, perplexa, psicótica e extraordinária mulher.