1999 - 2001; etc.
NA MADRUGADA DE 30 DE ABRIL DE 2013
1999
Fratura terrível em dezembro. De tíbia e perônio. Perna esquerda. Naquela ocasião foi preciso ir à mesa de cirurgia (não foi a primeira, nem a última vez). O mundo não acabou, como previu Nostradamus. Aqui em casa chegamos meio perto disso. De todo modo, nem o mundo nem a casa nem nós acabamos.
Em julho do referido ano de 1999, fora a última vez em que pude viajar sozinha, inteira a sós comigo mesma, em relativa paz, por oito dias (não imaginaria, jamais, que assim, só comigo, não mais, não mais). Fui para Lambari, no sul de Minas: cidade de águas, ruas para passos ainda livres, pés ainda com a necessária mínima firmeza indispensável. Em dezembro... ai... em dezembro, como disse no primeiro parágrafo, meus pés, pernas, eu, pagamos caríssimo por aquele fundo prazer de viajar, pelo menos assim o senti, sentimento irracional, bem o sei. É que fui mesmo tornando-me, por força das circunstâncias, e progressivamente, alguém cada vez mais irracional apesar das muitas aparências em contrário.
2000
Último ano da década, do século, do milênio: tudo isso. Aqui, imobilizada durante o ano inteiro, bem como a mãe, que passou pela sua primeira grande cirurgia. Não sei o que nos teria sido se Deus não nos houvera enviado um de seus anjos da guarda encarnados.
Eu, a organizar fotografias, sempre as fotografias a suprirem a ausência do mundo, a evaporação do mundo, evaporação que ainda levaria mais uma década para efetivamente ocorrer em sua plenitude. Em sua plenitude mais funda.
2001
Primeiro ano do novo milênio. Eu, que voltara a ir a feira, cheguei das compras a tempo de ver as torres gêmeas explodindo. Ah, tempos em que eu podia ainda ir a feira, apesar de muitíssima coisa desabando, não só nas torres gêmeas, também em torres demasiado mais próximas! Nesse ano minha mãe passou por sua segunda grande cirurgia. Não fora a presença bendita do nosso anjo da guarda encarnado...
A PARTIR DE 2002
A partir de 2002, tudo consequência necessária das premissas da vida até 2001. Tudo apenas consequência, apenas e tão somente consequência. A vida, minha e de seres por mim muito amados, tornando-se um todo cada vez mais incompreensível, sim, um quase todo incompreensível, mas, a ser vivido, irreversível, por todos e por cada um de nós até o fim, o que não constitui nenhum privilégio exclusivamente nosso que, afinal, somos todos apenas poeirinhas deste e neste presente mundo; eu, poeira que ficou-se, em vão, a buscar sentidos... a buscar sentidos... a buscar sentidos... Talvez os haja, que sou ninguém para lhes negar a possibilidade de existência. Sou mesmo ninguém, para isso. Felizes aqueles que os têm, aos sentidos e ao Sentido assentados, pacíficos. Sou a primeira a louvá-los, a esses seres de certezas, alguns dos quais prezo, profundamente, desde o âmago.
De todos os acontecidos e desacontecidos entre 2002 e este derradeiro dia do mês de abril de 2013, quero (e devo) deixar, apenas, um registro especial, o da publicação do meu livro FLORES DO OUTONO, em 2008, publicação pela qual esperei 16 anos (o livro foi escrito em 1992). Quando tal fato ocorreu, no referido ano de 2008, parecia, novamente, que a vida ia se abrir: não, não se abriu; mais uma vez inauguraram-se novas faces de um mesmo de sempre tempo indescritível, inacreditável, faces das quais me é simplesmente impossível e interditado explicitar qualquer traço, qualquer traço que seja. Felizmente, 2008 foi também o ano em que entrei para o Recanto das Letras, espaço onde ainda posso respirar o possível do que permaneço em mim, o possível do que eu quis para mim: minha escrita e meu canto possíveis, partilhados com vocês.
Isto está parecendo uma despedida, eu o sei, mas, não o é; não o é. Talvez uma despedida, sim: do mês de abril. Grata pela paciência de sempre, amigos.
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