HISTÓRIAS
Eu ainda não sabia ler e escrever. Este era o maior mistério do mundo para meus cinco anos de existência. Para mim, as palavras eram apenas manchinhas negras e agrupadas numa folha branca de papel, por isso me apegava aos desenhos, fotos ou qualquer imagem que dava forma para qualquer texto. Quando alguém lia algo para mim, chegava a pensar que aquilo tudo não existia, pois, na minha cabecinha de menino, acreditava ser impossível “prender” o que falávamos para sempre num papel.
As palavras passavam a ter sentido para mim apenas na voz grossa e pausada do meu pai. Era ele quem dizia o que as folhas dos livros escondiam em códigos negros, pontilhados nas páginas brancas ou coloridas dos meus livros de menino. Eu somente acompanhava os olhos de meu pai que se movimentavam de cá para lá enquanto a fala articulava as palavras, criando imagens que se projetavam em minha mente. Incrível! Eu conseguia ver o lobo, a floresta, os porquinhos e até o desespero deles ao correrem juntos em busca de um lugar seguro! Eu conseguia visualizar a maldade da madrasta e a inocência da Branca de Neve. Conseguia me aventurar por terras desconhecidas e lutar com ou contra os malvados e cruéis das histórias. Ora eu me sentia forte, corajoso, destemido. Ora estava alegre ou triste ou com medo, conforme a personagem que escolhia ser.
Quando terminava de ouvir o que dizam as páginas do livro, seguia imaginando a trama e os seus personagens. Virava o Superman, o Batman ou qualquer outro herói. Os pensamentos davam velocidade aos meus pés que corriam, pois me imaginava voar. Sim! Eu voava, flutuava, tinha força, era o tal, o todo-poderoso, vestido apenas com um lenço amarrado ao pescoço e uma colher de pau levantada diante do rosto. Para ser mais verossímel, gritava palavras de ordem e soqueava o ar com a força dos meus braços miúdos. Tornava-me imbatível!
Papai lia para mim. Foi ele quem transformou minha imaginação, povoando-a de personagens e lugares fantásticos. Cada dia era uma nova história. Mas havia dias em que a “minha história favorita” se repetia e, mesmo sabendo o que iria acontecer passo a passo, eu sentia o mesmo medo nos mesmos momentos e a mesma alegria com o final feliz. E isso nunca me aborrecia!
A descoberta do mundo da escrita ainda continuou pelas mãos e paciência da Dona Diva, minha primeira professora. Foi ela quem contava, entusiasmada, as aventuras de Pedrinho, Narizinho, Emília e Visconde de Sabugosa no Sítio do Pica-Pau Amarelo. Eu viajava com a turma de Monteiro para muitos lugares: do quintal do Sítio, da cozinha de tia Nastácia até as profundezas do Reino das Águas Claras ou a perigosa gruta onde vivia a Cuca. Conheci a mitologia grega e seus personagens através das tantas histórias que ouvia Dona Diva contar ao ler para nós Lobato.
Aos poucos fui crescendo. Descobri outras histórias. Algumas da vida real e outras inventadas e bem escritas por um mágico das letras. Cada qual com um estilo próprio. Algumas contadas bem devagar, como uma cena de um filme em câmara lenta. Cada detalhe apresentado aos poucos e de tal maneira que tudo aparecia em nossa mente como verdadeiro. Outras histórias foram só ação e nenhuma linha podia ser perdida, senão se perdia também a história. Tudo era lido só para que nada ficasse sem sentido.
As histórias de vida também surgiram nas páginas de livros que li. Algumas contavam tristezas e outras, alegrias e sucesso. E tinha aquelas que davam a receita para ser feliz e se relacionar bem. E tudo era interessante...
De tanto os olhos lerem, as mãos também quiseram escrever. Não, é claro, com a mesma habilidade dos autores consagrados que eu lia. Mas era um início... E descobri, a medida que os anos foram passando, minha vida como leitor e produtor de muitas histórias.
Luciane Mari Deschamps