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A chácara de Alice reconstruía em Talita lembranças do tempo em que ia com o pai à Quinta da Boa Vista, algumas vezes na companhia de Tília e Morgana ou com outros colegas de sala.
—Robert vai? Perguntava seu Jeremias.
— Talvez!...
—Podes convidar também o Nilmário, se quiseres.
Nem sempre os dois podiam ir, e quando isso acontecia, o pai de Talita deixava transparecer seu desejo que a escolha recaísse em Robert.
Talita abortou as lembranças da Quinta da Boa Vista e aterrissou na chácara. Olhou uma gigantesca mangueira carregada de frutos e disse com suave doçura:
—Lindo!
— Obrigado. Eu também te acho linda.
— Não estou falando de ti, Bobinho! Falo delas...
— As mangas, além de bonitas devem ser doces, vamos levar algumas quando formos.
— As mangas são lindas, mas estou falando daquelas aves. E apontou para um casal de maracanãs trocando carinhos no galho.
— Parece que se beijam enquanto catam piolhos, ou catam piolhos, enquanto se beijam.
— Não estão catando piolho, boubinho!...
Como por um impulso, Robert beijou-a na boca, meio sem jeito, meio fora de prumo. Ela tremeu palpitante como a tímida perdiz alencarina. Sonhava com aquele beijo desde os tempos do Marista. Queria um beijo mais certeiro.
— A natureza é mãe e mestra, disse Robert, tremendo a voz, os lábios e as pernas.
Tudo tremeu, saiu do prumo, depois aprumou a conversa:
— Viste A Lagoa Azul?
— Sim, é uma linda história de amor que se passa numa ilha. Às vezes viajo na imaginação, e me sinto numa ilha deserta...
A pergunta caberia outras respostas. Talita teve vontade de dizer que viu estrelas, sentiu calafrios, mas conteve-se. Robert tentou estender o assunto. Queria falar do amor com estro poético, afinal, a vida é um poema que espera ser escrito. Quis falar, mas não pôde! Nada disse, apenas sorveu o doce mel dos lábios dela.
Muito tempo depois. Segundos, minutos... (Ninguém sabe! Nessas horas o relógio para e só o coração bate aceleradamente).
— Ando curiosa com alguma coisa que vi.
— Com quê?
— Vi teu nome escrito em uma página amarelada pelo tempo, dentro do baú de meu pai. Eu ia ler, mas escutei o barulho dos chinelos dele no corredor e larguei o envelope, sem terminar a leitura. As linhas introdutórias apontavam para um pedido de desculpas. Foi quando o pai me chegou trazendo a aquarela de Toquinho e uma folha de papel em branco, dizendo ser o túnel do tempo... Eu estava mais interessada em saber o que estava escrito naquele papel que acabara de encontrar no baú dele. Fiquei curiosa.
—Eu também
— Nada perguntei, para não levantar suspeitas. Nunca tinha visto a chave daquela arca antes. Agora depois que passamos a trabalhar juntos neste livro, o pai anda seguindo meus passos. Larga a chave do baú em qualquer lugar, como se quisesse que eu encontrasse algo que ele não tem coragem de me contar, mas quer ter certeza de que tomei conhecimento ou não de alguma coisa misteriosa, cujo mistério se oferece para ser desvendado. Vi também alguns poemas, mas não tive tempo de ler.
— O poema em forma de um pássaro é de teu pai?
— Às vezes transcrevo textos que ele constrói e me convence a assumir a paternidade, ou melhor, a maternidade e me torno mãe postiça de muitas criações e criaturas que não gerei.
Talita teve vontade de contar a Robert as objeções do pai sobre o namoro dos dois que o velho insinuava haver descoberto. Seu Jeremias não apontava defeito no rapaz. Não queria o casamento entre eles e pronto!
Já estavam trabalhando o livro há mais de seis meses e o rendimento apresentava melhores resultados para uma história de amor entre os dois do que o enredo de Sete Faces, ou não seria este o nome do livro? Haviam cogitado muitos outros nomes e nenhum deles parecia adequar-se ao enredo.
—Por que não “Tranças Congeladas”, sugeriu Robert.
— Talvez..., respondeu ela.
Deixaram o sítio.
A proximidade do casamento fez com que suspendessem por algum tempo os trabalhos de enxugamento da obra. Era a hora da estrela. Talita refez a maquiagem, deixou o salão e em poucos minutos estava na Basílica de Santa Teresinha.
NA
Reelaboração