Posso Reclamar?
Sou um cara tranquilo, relativamente calmo e de bem com a vida. Não sou chegado a confusões. Poucas foram as vezes que discuti feio com alguém e a ira bloqueou-me os sentidos. Briga valendo mesmo, talvez umas duas ou três na adolescência. Uma eu me lembro bem, briguei com um amigo por causa de futebol. Não por sermos torcedores de times opostos, pois essa diferença nunca nos afetou. A briga foi dentro de campo. Na hora de montar os times insistiam em nos colocar em lados contrários e aí já viram: eu não entendia a mentalidade de atacante dele nem ele minha filosofia de zagueiro. Fora ele teimar em tropeçar nas minhas pernas e cair estatelado no chão! Ficamos sem nos falar algum tempo, depois decidimos que jogar bola só se for pela mesma equipe. E somos amigos até hoje.
Só que, mesmo sendo defensor da diplomacia e amante da boa convivência, eu não consigo ficar muito tempo sem reclamar de alguma coisa ou de alguém. Não consigo evitar, realmente é mais forte que eu. Sabe reclamar, reclamar por esporte? É falar de uma pizza que demora, balbuciar indelicadezas sobre o cachorro da vizinha, ronco em avião. Tanta coisa que olhando assim posso até parecer uma pessoa rabugenta. Mas não sou, tenho apenas meus momentos de rabugice, não dura muito. Não deixa sequelas nem me afasta de ninguém (espero). Não vira mau humor, acreditem.
Como sinto-me quase íntimo dos nobres confidentes leitores, decidi apresentar meu lado mais aborrecido e protestar acerca do que me tira do sério ultimamente. Não me levem a mal, é só um desabafo. Vamos lá, primeiro é o famoso “vamos ver”. Vamos ver nada! Quem vai ver nunca faz nada! Ou faz? Detesto quando eu convido alguém e a resposta é essa: “vamos ver”. Bem, eu sei que eu vou ao cinema ver o filme, já você... por que não diz logo que não dá, não quer ou que vai ter dor de cabeça no dia e não poderá ir? Agora me diga: quantas pessoas foram ver e voltaram para aceitar o convite? É, vamos ver se da próxima vez eu te chamo...
Geralmente são pessoas que estão “meia cansada” e com “menas” perspectivas de fazer alguma coisa de agradável. Gente, “meia” e “menas” não dá! Não existe! Eu não sou nenhum puritano da nossa língua pátria, nem paladino da Norma Culta. Aliás, escrevo e falo com erros aos monte. Mas tudo tem um limite, um dicionário. Já fui mais radical e quis realmente transformar o falante em meia pessoa, uma a “menas” no mundo. Hoje, só fico com raiva, finjo que não entendo e repito em voz alta, com as palavras adequadas, para ver se cola. Quase sempre faço isso em vão.
Descobri que sou um reclamante compulsivo quando me vi descontrolado com aqueles relógios públicos que mostram tempo e temperatura. Eles sempre pregam peças e mostram-me, debochando, o que eu não quero ver. Se quero saber se estou atrasado para um compromisso, indicam que o dia está frio. Se o desejo é descobrir se o calor é propício para despir-me em praça pública sem atentar contra o pudor, tal maquininha (sim, maquininha!) ri-me só dois minutos para não perder o metrô. E assim vamos indo, ele nessa vida de traquinagens comigo, eu sempre passando com pressa e sem tempo de parar e discutir a relação com o danado.
Falando nisso, outro dia perguntei as horas a uma menina e ela disse (quase isso) que no relógio que o namorado deu-lhe era meio-dia. Por que as mulheres têm esse hábito de sempre encaixarem o namorado numa frase ou dizer que estão namorando? Medo de estarmos em tempos de guerra e as solteiras terem que ir à batalha? Medo da solidão? Calma meninas, uma conversa é só uma conversa até que se provem as segundas ou terceiras intenções. Por favor, sejam mais sutis e pelo menos contextualizem a necessidade de inserir um namorado (ou dois) no diálogo.
Eu poderia enumerar outras tantas irritações como: fila, o tempo que as mulheres levam para se arrumar, os amigos sovinas, as vizinhas enxeridas, pão cascudo, quem insiste em oferecer-me dobradinha e diz: “essa você vai gostar”, controle remoto longe da cama, DR em dia de futebol, filme dublado no cinema, voo atrasado, celular sem sinal etc. Entretanto, como já desabafei bastante e sei que muitos leem o jornal pela manhã, não disseminarei mais discórdia e mau humor para ninguém. Dito isso, voltarei ao estado semi zen e criarei coragem para pegar o telefone, ligar para o serviço de telemarketing, ouvir sem querer uma musiquinha suave por algumas horas, discutir com uma máquina e fazer minha reclamação. Coisa que nem gosto...