O incêndio
Como dizer o que penso de mim sem o risco de acertar no meu julgamento e agradar aos que me desagradam? Como ser sincera com o mundo, na parte que me toca, me expondo inteira se o que eu recebo em troca não compensa? Não sei de que maneira conseguirei ser transparente sem me atirar a cova dos leões. Mas sinto a necessidade de dizer: tem um grito preso nas minhas cordas vocais, que quer assumir o erro. É humano esse grito e é reflexo do calar.
Já fui tantas e a cada instante me reinvento. É a forma que encontro de superar a desilusão e meus auto-desenganos. Eu sei que falhei, principalmente por não perceber que tudo ia mal. Dizem que é melhor parar quando ainda se está por cima. Mas a teimosia de achar que eu, de uma forma milagrosa, poderia resolver tudo, sem me esforçar, me fez perder essa oportunidade.
O fogo queimou toda a minha casa e a terra que eu tinha não foi suficiente para encobri-lo. Depois que ele foi embora só restou cinzas e eu carbonizada no meio da sala. Uma reação química irreversível: não se pode transformar o pó que sobrou em um lar, mesmo que ele não fosse físico. Mesmo que ele só fosse um sentimento. Porque ele também se transformou, irreversivelmente.