Indignação

Existem muitas coisas com que nos indignamos todos os dias. Com a falta de escrúpulos de muitos políticos ao desviarem altas somas dos cofres públicos para compra de outros políticos; com os desvios de verbas públicas por governantes ou seus representantes destinadas ao socorro de flagelados de enchentes, como as da Região Serrana, no Rio; com os aumentos salariais que políticos e juízes autorizam para eles mesmos; com o declínio do futebol brasileiro, que já foi o melhor do mundo, a julgar por nossos estádios vazios; etc.

Mas os crimes de morte têm nos causado especial indignação. Sobretudo porque, cada vez mais violentos, cruéis, hediondos, parecem se suceder agora numa progressão exponencial. Contra qualquer um, ou seja, crianças, idosos, adolescentes. Acompanhados ou não de estupros, torturas, mutilações, etc.

Deparamo-nos nesses dias com o caso dessa jovem dentista da Região do ABC, em São Paulo – que vai se tornando numa das metrópoles com índices de maior violência no país. Irritados com o saque, para eles irrisório, de R$ 30,00 efetuado com o cartão bancário ou de crédito da vítima, os criminosos resolvem atear fogo à mulher, que não resiste às queimaduras e morre.

É uma escalada de crimes que, pela sua contundência, fica difícil suportarmos. Uma crueldade intolerável. Assistirmos pela TV a cena de um jovem sendo friamente executado a tiro por outro jovem que aparentemente não se contenta com a retirada da mochila e pertences do primeiro. Crueldade intolerável não só por estarmos cada um de nós a ela sujeitos. Mas principalmente porque não se vislumbra a possibilidade da sua redução. Ou de medidas que venham prevenir o seu acontecimento.

A sociedade se sente cada vez mais indefesa. Crimes violentos, de que possamos não tomar conhecimento, muitas vezes deixam de ser apurados. Seus autores por vezes também não são detidos. E quando isso ocorre, dentro de relativamente pouco tempo estão nas ruas. Como se tivessem sido perdoados. O que é revoltante. E as vidas que interromperam, muitas delas ainda a menos da metade, caem inevitavelmente no esquecimento. Pelo arquivo peremptório do tempo. Obviamente não tão incisivo em relação aos parentes, amigos ou pessoas a quem aquele desaparecimento tanto custou.

Acreditamos que o sentimento comum nos diz que alguma providência deveria ser tomada. Os autores desses trágicos atentados contra a vida do próximo deveriam ser punidos de fato. Não para que ações desse tipo fossem erradicadas. Levará algum (ou muito) tempo ainda para que tenhamos essa ilusão a respeito do ser humano. Mas para que diminuíssem. Deixando esses autores de contar com uma punição de mentirinha. Que se dá com a liberdade por bom comportamento. Ou porque passam a se dedicar à leitura de livros na vida reclusa, o que colabora na redução da pena. Ou porque, depois de encarcerados, se tornam pastores de alguma “seita” evangélica ou coisas do tipo.

Isso é também uma questão de indignação. A punição atenuante ou branda. Na medida em que germina ou favorece a fecundação de condutas agressivas. O que se pode inferir a partir das palavras de um dos criminosos, no que se relaciona à lamentável ocorrência com a dentista do ABC, ao dizer coisas como “por muito menos já matei outras pessoas”. Como se estivesse contando com a impunidade.

Deveríamos ser capazes de suscitar, provocar, exigir uma reforma do Código Penal em vigor. A sociedade desejando ser ouvida e cobrando ações no sentido dessa reformulação dos estudiosos das leis, dos juristas, das pessoas com poder nessa área.

Não existe em nosso país a pena de morte. Podemos admitir que a sua aplicação seja de fato questionável. Mas pode existir a prisão perpétua, por exemplo. De preferência, dependendo da gravidade do crime, sem nenhum tipo de libertação pelo motivo que fosse.

A nossa indignação é tanta – ou pelo menos a do autor – que chegamos a admitir a ideia de que certos crimes, de autoria comprovada e exaustivamente esclarecida, de características inegavelmente cruéis, não deveriam ser merecedores de nenhum tipo de defesa. Porque, na verdade, de certa forma se coloca na contramão dos interesses da sociedade quem defende um criminoso cuja culpabilidade seja inquestionável sob qualquer aspecto.

Mas isso pode ser um atentado ao Direito. Reconhecemos que tais ilações se fundamentam no clamor popular, ou até pessoal, e que carecem de qualquer fundamentação jurídica ou amparo no Direito moderno.

No entanto, tais sugestões, por mais absurdas que possam parecer, talvez pudessem ser aperfeiçoadas ou transformadas em outras, destinadas pelo menos à redução de fatos que nos chocam quase que diariamente. Não deveríamos é apenas continuar na retórica da lamentação. Como faz o Papa, nos casos de flagelos naturais ou atentados ou guerras que comovam o mundo. Ou na indignação espasmódica, que se verifica a cada crime praticado e que se torna cada vez mais frequente. Deveríamos ter condições de melhorarmos e de melhorar nossa gente.

Rio, 26/04/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 27/04/2013
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