Adultecer

Sento à janela. Abro uma pequena fresta. O vento toca meu rosto, abruptamente. Os cabelos se enrolam. Alguns fios roçam meu rosto. Eu gosto da sensação. Observo a vegetação ao redor. Atento-me aos detalhes de uma árvore. Um dos galhos mantém um ninho. Consigo apenas ouvir um silvo distante, suave. Fios e postes parecem fora de contexto.

A vegetação, agora, parece apenas um borrão de imagens. Tento distingui-las, mas apenas fico zonza.

A velocidade diminui.

Agora consigo observar os morros. São tão altos, promissores. Há quanto tempo estão lá? Será que alguém já chegou até o topo? Quero sentir mais o vento. Abro melhor a janela. Inevitavelmente coloco minha cabeça pra fora. Encho os pulmões e, aos poucos, me abro num sorriso.

Instintivamente olho pro céu. Adoro esse contraste de azul e branco. Há alguns pontos pretos também, constantemente mudando de lugar. Agora vejo um gato branco... Ou seria um pato? Juro ter visto um coração, perfeitamente desenhado.

Um grito. Ouço um: “é perigoso colocar a cabeça pra fora”. Continuo a observar a natureza, mas apenas do lado de dentro.

O motor acelera. Parece que não vai diminuir tão cedo. Novamente borrões. Neste instante, obrigam-me a fechar a janela. Preferem o ar seco e frio... De um aparelho chamado “ar-condicionado”.

Eu me frustro. Mas não posso dizer nada. Penso que é uma pena se perderem assim. É uma pena a indiferença. É uma pena adultecer.

Por Jéssica França
Enviado por Por Jéssica França em 26/04/2013
Reeditado em 08/04/2014
Código do texto: T4261364
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