Adultecer
Sento à janela. Abro uma pequena fresta. O vento toca meu rosto, abruptamente. Os cabelos se enrolam. Alguns fios roçam meu rosto. Eu gosto da sensação. Observo a vegetação ao redor. Atento-me aos detalhes de uma árvore. Um dos galhos mantém um ninho. Consigo apenas ouvir um silvo distante, suave. Fios e postes parecem fora de contexto.
A vegetação, agora, parece apenas um borrão de imagens. Tento distingui-las, mas apenas fico zonza.
A velocidade diminui.
Agora consigo observar os morros. São tão altos, promissores. Há quanto tempo estão lá? Será que alguém já chegou até o topo? Quero sentir mais o vento. Abro melhor a janela. Inevitavelmente coloco minha cabeça pra fora. Encho os pulmões e, aos poucos, me abro num sorriso.
Instintivamente olho pro céu. Adoro esse contraste de azul e branco. Há alguns pontos pretos também, constantemente mudando de lugar. Agora vejo um gato branco... Ou seria um pato? Juro ter visto um coração, perfeitamente desenhado.
Um grito. Ouço um: “é perigoso colocar a cabeça pra fora”. Continuo a observar a natureza, mas apenas do lado de dentro.
O motor acelera. Parece que não vai diminuir tão cedo. Novamente borrões. Neste instante, obrigam-me a fechar a janela. Preferem o ar seco e frio... De um aparelho chamado “ar-condicionado”.
Eu me frustro. Mas não posso dizer nada. Penso que é uma pena se perderem assim. É uma pena a indiferença. É uma pena adultecer.