- Ainda Assim
Nossa última briga foi também nosso último beijo. Nenhum café da manhã teve gosto tão amargo quanto o dia em que você resolveu abandonar sua xícara e o jornal logo cedo.
Meu coração ainda guarda metade dos insultos, metade das palavras ditas sem nenhuma regra de arrependimento. Ainda sinto o gosto ruim de ouvir você dizer que "não é pra ser". A gaveta ainda registra sua respiração ofegante e suas mãos jogando fora o único motivo que nos prendia debaixo do mesmo lençol.
Tudo o que se passou permanece pela insistência desse coração que, ainda pesado de saudades se arrasta de esquina em esquina, se despeja em papeis e rimas, e busca o ponto final em qualquer resto de por-do-sol.
Nossa última briga foi um tipo de abraço doloroso, quebrando costelas e desprendendo emoções. Sua camiseta ficou em cima da cama, seus sapatos ainda estão no canto da sala, e teu amor se espalhou como cheiro em minhas roupas. A lembrança das grosserias tornaram-se molduras, fotografias que envelhecem ao lado do que era o melhor reflexo de sorriso.
Meu coração, ainda que bêbado por teus descasos, ainda que sonolento pela falta que você faz, se recupera aos poucos, escreve duas ou três cartas que nunca serão enviadas, encontra-se com alguns outros corações que não se comparam ao seu, entrega-se a beijos rápidos, abraços vagos e se desmancha em sentimentos que duram alguns longos minutos.
Compartilho desse sentimento que é me desprender pela milésima vez de você.
A julgar pelo cansaço do peito, começo a desistir, outra vez, do que ainda é importante para os batimentos que fazem pulsar meus passos.-