O DIA EM QUE MORRI
O DIA EM QUE MORRI
24/04/13
Era domingo, acordei ouvindo um som estridente, mas de baixo volume, como se mil pessoas sussurrassem ao mesmo tempo. A claridade que invadia o quarto não era normal de um amanhecer, era uma luz esbranquiçada de um brilhar inquietante. Como acontecia habitualmente achei que era fruto da televisão que permanecia sempre vigilante ao meu sono em todas as noites.
Assustei-me ao abrir os olhos. Via-me deitado de lado sobre o lençol, abraçado com um dos quatro travesseiros. Na televisão um programa sobre pescaria, não escutava o som que era abafado pelo sussurro das mil vozes. Na cabeceira da cama onde me via como a dormir, a luz esbranquiçada e de intenso brilho projetava cenas de minha vida.
Com o passar do tempo entendi que sobre a cama só restava meu corpo.
Estranhamente tinha consciência de tudo que ocorria, o telefone que pela 3ª. ou 4ª. vez chamava, os programas da televisão ao pé da cama e a sessão “minha vida, minha obra” que passava sobre a cabeceira da cama.
Sabia quem havia me ligado e sabia que só seria encontrado na 2ª, a tarde.
O dia passava sem consciência das horas, flutuei por toda a casa e cheguei a me aventurar pela varanda quando o cachorro do vizinho se pós a uivar incessantemente, mais uma vez o amaldiçoei e interrompi meu voo. Ao ver que os uivos foram interrompidos, aproveitei de minha nova condição e fui ver as pessoas que me eram caras. Visitei os filhos que não via já há algum tempo e projetei uma conversa com eles, e era estranho que estavam em locais distintos e eu falava com eles ao mesmo tempo. Visitei meus pais e minha irmã e os preparei para a notícia que teriam. Procurei a quem de mim sempre cuidou e lhe disse que sempre estive presente e que assim continuaria.
Fui a casa de meus amigos, primos e irmãos e com eles tive uma derradeira conversa, dizendo da falta que sentiria mas da imensa felicidade de tê-los por perto bastando para isto que em mim pensassem.
Procurei aos que de mim não gostavam e os fiz ver o eu que não viam e lhes disse que nunca tive ressentimentos, pois eles me ensinavam a viver.
E assim viajei para onde e por onde quis. Voltei para casa, pois lá jazia meu corpo. Já não tinha noção do tempo. Pairando sobre o leito onde eu me encontrava, vi a Daniela que chamava por meu nome por várias vezes, e me vendo no leito puxou a porta do meu quarto. Limpou a casa, botou a roupa na máquina de lavar, chegou até a porta do meu quarto, semicerrada e me chamou cada vez com um tom mais alto, pois tinha atendido o telefone e queriam falar comigo. Não se conteve e se aproximou da cama e dizendo: “seu Geraldo”, “seu Geraldo” notou que eu não respirava, pegou meu braço e apesar de já estar endurecido o sacudiu dizendo um “pelo amor de Deus, e agora Jesus”, com cuidado voltou ao telefone e disse que eu não estava respondendo e que iria chamar um médico. E assim fez, veio o Dr. Fernando, nobre prefeito, da terra que escolhi para viver ou morrer e emitiu o atestado de liberdade eterna, será?
Assim foi o dia em que morri.
Geraldo Cerqueira.