O AMOR E A PIEDADE : SENTIMENTOS DISTINTOS

Há milhares de expressões que tentam expressar e explicar o que é o amor. Platão, ligando o amor à beleza e ao bem, dizia que o amor liberta o ser humano e o leva à verdade. Para Santo Agostinho, o amor é o nexo que une as pessoas divinas. Somente o amor é capaz de explicar a vida da alma e a sua possibilidade de se elevar ao conhencimento unitivo de Deus. Enquanto Platão se preocupava em conceber o amor como o elo, a ponte entre o o corpóreo e o espiritual, entre o relativo e o Absoluto, entre o particular e o Universal, Santo Agostinho via o amor como o nexo entre o divino e as pessoas. Mas há centenas de filósofos que dissertaram e tentaram explicar o amor, como Spinoza, Jean-jacques Rousseau, Friedrich Schleeirmacher, Aristófanes, Arthur Schopenhauer e tantos outros. Tal como ele, os poetas e compositores à sua maneira, cantaram e encantaram o amor em todas as suas nuances. Eu não seria eu capaz de fazer uma explanação a respeito do tema com esta intensidade e conhecimento, muito menos buscar novas possibilidades de discussão deste sentimento, porém ouso argumentar sobre determinadas situações que podem identificar ou não o amor, seja em que especificidade se encontre: o amor filial, o amor materno, paterno, fraterno, conjugal, etc.

Por exemplo, acredito que o sentimento do amor não implica ou não exige compaixão. Não se deve acreditar que, ao se ter piedade por alguma pessoa, passsaremos a amá-la, como condição inerente à situação. Uma coisa não implica na existência da outra. Na verdade, tratam-se de emoções e sentimentos totalmente distintos. O amor não depende de outro sentimento para se desenvolver, basta-se a si próprio, é intrínsico à capacidade de amar. Alimenta-se da admiração diária, do carinho efetivado, da troca de emoções que se estabelecem nos encontros. Ama-se por vários motivos, pela beleza, pelo carinho, pela proximidade afetiva, por laços familiares, mas jamais por pena, piedade, compaixão. Nunca devemos realçar as características negativas de uma pessoa, transformá-la num pobre coitado, como se isso lhe possibilitasse o passaporte para almejar o amor. O que pode acontecer nesta presumível insistência é um sentimento oposto, uma aversão a tal pessoa. Pessoas com esta característica de se sentirem inferiorizadas em seus relacionamentos ou situações cotidianas, costumam afirmar que tudo lhes é mais difícil, do que o que acontece com outras pessoas nas mesmas situações. Segundo elas, as outras pessoas com que se relacionam são os verdadeiros impecilhos. Elas nunca vencerão os obstáculos por este ou aquele motivo, como se dessa forma recebessem como prêmio de consolação, o fato de serem amadas. Pode-se ter compaixão, não amor. E da pessoa que passa a vida inteira suplicando amor, através do realce de suas dificuldades, o que acontece, segundo a própria literatura científica, é afastar cada vez mais o bem amado (bem amado, seja este o marido, a esposa, o amigo, o parente próximo, o vizinho, o amante). Uma pessoa que demonstra sempre amargura, sofrimento infinito, que sempre resmunga contra a vida, que incessantemente está em desconforto com a realidade, que nada llhe é favorável, acaba afastando quem poderia descortinar um mundo em parceria, em união e agradável convivência. Entretanto, o que geralmente acontece é que o suposto candidato a amar sente-se obrigado a aturar tal sofrimento, em virtude da afeição que possui ou acaba definitivamente afastando-se.

Nunca devemos diminuir as qualidades de nossos filhos, exaltando as suas deficiências, transformando-o sempre num coitadinho. Ele apenas colherá os frutos de ser considerado (e de se achar) o pior entre todos. A criança, via de regra, acaba introjetando que é um ser inferior, incapaz de exercer seu domínio sobre as situações, de vencer qualquer obstáculo. Acredita enfim que é um coitadinho, o que certamente gera um círculo vicioso, sentindo-se incapaz para a vida e tornando-se realmente um incapaz. Não consegue fugir da situação que lhe foi criada. E apesar de toda carga que carregará pela vida, não ganhará nada produtivo com isso, não receberá amor, nem carinho ou se receber será de uma forma burocrática e social, para que não se sinta pior ou para agradar os pais. Piedade é o pior sentimento que uma pessoa deve querer despertar no outro. Não constrói nada, nao o engrandece como ser humano, como pessoa, como cidadão. Claro, que há momentos em que este sentimento de solidariedade é próprio, compreensível e necessário, mas não deve existir como regra da vida cotidiana.

Não se deve creditar os defeitos dos filhos aos outros. Eles são criaturas normais, e tal como seres humanos que são, erram e possuem dificuldades como todos os outros, não são (nem devem ser) santos. Os chamados “outros”, tais como educadores, médicos, amigos, patrões, colegas ou outras pessoas de suas relações, não devem ser os únicos culpados eternamente pelos erros de nossos filhos. Por vezes são, sim, e devemos lutar bravamente para esclarecer os fatos, para que as coisas se acomodem da melhor maneira possivel para nossos filhos, que fiquem corretas e adequadas, de modo que eles enfrentem com coragem as adversidades. Devemos sim, ajudá-los, caso a situação exija a nossa interferência. Por outro lado, devemos estar imbuidos da necessidade de esclarecer os fatos, com a compreensão de que nem sempre nossos filhos estão com a razão. Devemos examinar com clareza todas as facetas da complexidade dos fatos. Quando nossos filhos erram, somente crescerão internamente se enfrentarem (e aceitarem) os seus próprios erros e aprenderem com eles. Não será apoiando indiscriminadamente as suas posições, ou seja, passando a mão em suas cabecas ou acusando os “outros”, que os ajudaremos a crescer. Se a culpa de seus fracassos ou frustrações recair sempre noutras pessoas, pensarão que a vida lhes deve respostas imediatas, segundo as suas ideias preestabelecidas, fortemente alicerçadas em seus argumentos irredutíveis e nunca amadurecerão. Sempre haverá culpados para seus erros ou desculpas delegadas a outros para as adversidades da vida. Não é assim que acontece.

Retomando, jamais se deve pensar que sendo coitadinhos, oa filhos serão mais amados. O amor é incondicional, não impõe regras, acordos, problemas ou adequações. O amor é íntegro. Ama-se sem quaisquer adereços de necessidade ou sofrimento. Ama-se porque o amor é intrínseco ao ser humano. O homem cansa-se do sofrimento, da queixa, do estigma de pobrezinho. Cansa-se da necessidade de amar pela condição da falta, do problema, do impedimento, da deficiência, da falta de coragem na luta. Amar não é sinônimo de dificuldade, ao contrário, de grandeza de coração. Admira-se aquele que luta bravamente para vencer as adversidades, aquele que se esforça para atingir um ideal, aquele que se supera numa situação adversa ou que almeja tornar-se um ser integro, digno capaz de produzir desassombros pela vida. É justo e normal sofrer infortúnios, o que nao é justo nem normal é alimentar o sofrimento, sobreviver mediocremente através da dor, ter enfim, a necessidade de ressaltar este sofrimento para obter deploráveis ganhos de origem afetiva. Belo e dignificante é lutar até o fim, mesmo que não se atinja o ideal, que não se consiga a meta proposta, mas que se tenha vivido com dignidade, tendo conseguido um mínino do que se desejava para ser feliz. E por fim, que não se tenha desistido no meio do caminho, tendo a certeza de que se acomodar na atribulação, não é mais inteligente do que ir à luta. Coragem nao é gritar aos quatro ventos o que se pensa, sem se ouvir os demais, coragem é permanecer na luta, é vencer ou não os obstáculos. Coragem é transformar a sua vida numa escada, onde cada degrau deve ser construído para uma vitória, mesmo que não seja a pretendida, mas uma vitória interior, de maioridade emocional, de segurança própria, de sobrevivência digna. Talvez a felicidade seja apenas isso: lutar, lutar e lutar. E o amor, este nao tem restrições. Este incide no belo, no feio, no afeto, na emoção do outro, na alegria, na paz, no que subtrai a alma através dos olhos. Admiração plena ou aversão pura são coisas distintas. Amar é outra coisa. Sem condições.

Gilson Borges Corrêa
Enviado por Gilson Borges Corrêa em 26/04/2013
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