O NOSSO BANHEIRO: UM ELOGIO AO CONFESSIONÁRIO NOSSO DE CADA DIA!

O que você faz quando

Ninguém te vê fazendo

Ou que você queria fazer

Se ninguém pudesse te ver

O verso acima é de uma música do Capital Inicial, que casa com a última crônica sobre o banheiro. Pois bem, falei do banheiro como o lugar de maior intimidade. Mas, fazem-se outras coisas, além de intimidades em geral. Quem já não chorou de frente para o espelho para ver como fica chorando? Quem já não fez um monte de caretas, ou já ensaiou uma resposta desaforada para alguém que a merecia?

Já assisti um filme onde o casal estava em “eitas ”. O casal era de meia idade, filhos jovens, e a velha crise do ninho vazio. E ele diz para ela que ninguém a olha mais. Ele merecia um bom chute naquele lugar. Pois bem, ela diz: vem comigo e observa: saíram do supermercado, ele atrás e ela na frente, fazendo um monte de caretas. Logo, algumas pessoas estavam olhando pra ele. Puro desespero.

Eu podia continuar e há umas sem noção, do tipo mais para filme pornô. Tem umas que beira a insanidade. Mas, o que você e eu já fizemos lá, só Deus sabe. Há quantas confissões, falando baixinho, para ninguém ouvir?

Conversando com minha amiga Caelucy, ela comentou comigo o seguinte:

Todos nós temos em casa um lugar mágico, onde nossos medos e pudores desaparecem com o simples fechar de portas! Ali, entre essas quatro paredes somos os seres mais autênticos, estamos em nossa plena essência, sem as roupas e maquiagens, sem os adornos que, não raro, distribuem os olhares de que nos acercam, sem as incomodas peças que, por vezes, nos apertam para aparentarmos um corpo que não condiz com a realidade dos fatos. Se por um lado nos despimos deste mundo das coisas, por outro, é provável, que aí mesmo onde essas peças não são necessárias nos encontramos com nós mesmo!

Ah Teófila, se as paredes do meu banheiro falassem! Revelariam muito mais de mim do que qualquer bom analista, elas conhecem minhas angústias e meus prantos, também meus sorrisos mais sinceros, cada palmo do meu verdadeiro corpo, minha afinada ou desafina voz ao cantar, mesmo sem saber aquela letra de música. Que atire a primeira pedra aquele (a) que nunca ficou embaixo do chuveiro quietinho para ver se a água que escorre pelo corpo não leva junto com ela nossos temores e aflições.

Ah meu banheiro! Quantas histórias essas paredes conhecem todas as minhas histórias de amor, todos os paqueras, como também todas as brigas... Quem brigando em casa nunca correu para se esconder no banheiro, não sabe o que é brigar com irmão (ã) ou primo (a)!

Caelucy conclui, como boa católica, dizendo que, “é este o Confessionário nosso de cada dia! O lugar onde rimos, cantamos, amamos, choramos, rezamos, lemos, escrevemos. Onde somos o que somos, sem máscaras e véus, onde somos nos mesmos!”

Então, introduzo um pensamento dentro de outro: nosso banheiro é a nossa ilha deserta.

Vem-me a mente a curiosa é a velha pergunta: “o que você faria se estivesse numa ilha deserta?” A pergunta a seguir é: sozinho ou acompanhado? Por que depende do acompanhado. Se for com um amigo, as situações são vividas diferentemente da situação vivenciada; ou se for um casal apaixonado, ou não. A ilha deserta tem o poder de aproximar as pessoas. As ilhas desertas da vida, onde um só tem o outro, aproxima, cria laços, estabelece-se cumplicidade e respeito. Falando de pessoas normais, bem entendido.

Fico pensando: se for com a mentalidade de extrapolar situações do tipo relacionamento sexual apimentado, não se precisa de uma ilha deserta. O quarto de um casal é um nicho onde se pode fazer quase tudo, com tanto que, não incomode os vizinhos, não chame a atenção dos que estão em casa, e não violente o outro (a).

Aliás, lembra-se de cinquenta tons de cinza? O Christian fazia e acontecia com a Anastácia. Logo, é uma conjectura inútil pensar que se podem fazer todas as sacanagens sexuais numa ilha deserta? Pode, e como, por que ninguém está vendo. Só que mulheres como Anastácia representam apenas 10% da população feminina, em condições “normais” que topariam os excessos sexuais. Contudo, dou o nome de perversão pura e simplesmente.

Ah, mas pode ser que você esteja tão cheio da vida, das pessoas que o circundam, talvez depressivo, solitário, apesar do barulho que as pessoas fazem, para mostrar que estão felizes, realizados, etc., que estar sozinho pode vir a ser uma boa opção. É acordar e não tomar banho, não escovar os dentes, não pentear os cabelos, ficar de cueca, ou de calcinha porque não tem ninguém pra olhar pra você e dizer se você é sujo (a), anarquizado (a), gordo (a), sem noção, ou qualquer outro adjetivo. Só que haverá um momento em que, este refúgio pode tornar-se uma prisão. E, de tanto viver sozinho (a), desaprende-se a viver em grupo, e isto não é bom. Seu deserto pode ser seu apartamento.

Só tem uma coisa que é certa; cada um de nós tem uma ilha, onde ninguém entrar, por mais transparente que sejamos. Apesar de a máxima afirmar que “nem um de nós é uma ilha”. Deixo-me ver o que quero que os outros vejam. Claro que creio que Deus vê o mais íntimo da minha alma. Logo, eu não estou só para fazer o que eu quero. Contudo, esta relação não é invasiva. Não tenho um Deus que me vigia 24 horas. Isto é loucura. A ilha deserta também pode ser o lugar onde muitos se refugiam para orar e meditar.

Há momentos em que na minha ilha deserta, minha consciência, que observa, rememora, realiza fantasias, chora às vezes, apesar de ninguém ver as minhas lágrimas. E há momentos que, em meio à solidão, extravaso, chorando as minhas tristezas e o meu desencanto diante das circunstâncias da vida.

Ah, o que eu queria fazer se ninguém estivesse me vendo? Não sei! Cantar alto e em bom som. Ainda não tentei de verdade. Tenho vergonha. Tem tanta coisa boa! Eu considero boa! Eu sei que isto pode parecer egoísta, paciência. Tem outras que não ousaria dizer, mesmo que estivesse com um revolver engatilhado na minha cabeça, ou nem que eu estivesse fora de mim. Não tem gente que fala dormindo? Eu espero não ser uma destas.

Ah, tem uma frase que li não sei onde que diz: “quando ninguém vê, digo seu nome em voz alta, choro por você, amo você”. Eu podia inverter esta frase e usá-la da seguinte forma: quando ninguém vê, eu sou eu mesma, imersa em meus pensamentos, desejos, virtudes e vontades; também em más querências, tristezas e dor. Quanto à vontade, ela não é muito real, por que muitas vezes vontade não rima com possibilidade, porque depende de um sem número de fatores, incluindo dinheiro.

Na minha ilha da fantasia, vejo-me jovem, bonita e madura mentalmente e emocionalmente. Já pensou que ninguém me seguraria se eu fosse jovem, bonita e com a cabeça que tenho agora? Seria a the best of the best. Bem, pura insanidade, diriam alguns. Eu chamo fantasia. Também já bati em tanta gente que merecia uma boa surra, e eu não pude dar, porque, caso contrário, estaria em eitas, também, na delegacia. Já ensaiei inúmeros foras em indivíduos, já dancei sozinha, imaginando estar com um experiente dançarino. Já imaginei fazendo palestras mirabolantes e todos me aplaudindo. Já preparei aulas, fiz esboços de estudos.

Só não estou na crise insana de querer aprovação de todos, porque como bem diz a frase: “a unanimidade é burra”. O bom mesmo é exatamente o exercício em que uns concordam, outros discordam, e assim, equilibra a balança do ego.

Fantasia, fantasia. Pura fantasia, ou pior, insanidade, camisa de força, hospital psiquiátrico, rupinol, rivotril, terapia.

O conselho, em caso de pensamentos esdrúxulos: procurar um psicólogo e ou um psiquiatra, antes que a ilha deserta, da fantasia se torne esquizofrenia, e com certeza a nossa ilha deserta não será mais tão deserta.