Socialmente correta
Era magra, usava vestido verde e anéis dourados nos dedos que omitiam a aliança de casamento. Mexia com frequência em seus cabelos tingidos de loiro e alisados quimicamente.
Segurava sua bolsa como se fosse um escudo e ao mesmo tempo essa bolsa era uma possibilidade de fuga daquele ambiente tão cheio de gente, mas vazio de significado.
Era bonita, mas triste. Uma beleza artificial e pontual que se assemelhava à exigência de uma sociedade castradora. Era padronizada.
Seus movimentos alternavam-se em mexer nos cabelos e mexer na bolsa-fuga. No universo da bolsa havia cheques, comprovantes de cartão, canetas, celulares, coisas do círculo capitalista.
Ela se mexia mecanicamente e ansiosamente. Era comovente aquela beleza triste. Talvez ela fosse vítima do conto “ouro de tolo”, ou seja, venderam a ela um modelo vital que aparentemente era encantador, mas que no fundo era falso.
Ao olhá-la surgia certa vontade de abrir seu peito com as mãos e libertá-la dessa interrogação existencial.
Seu nome? Poderia ser qualquer um, já que ela se esforçava para ser só mais uma. Seu nome real foi sendo escondido ao longo de sua vida e ela já nem buscava mais esta identidade nominal.
Socialmente correta e erradamente humana. Uma beleza triste como tantas outras.
(27/07/2011)