MILAGRE SEM MILAGRE
Prof. Antônio de Oliveira
antonioliveira2011@live.com
Para Clarice Lispector: “Milagre é lágrima caindo na folha, treme, desliza, tomba: eis milhares de milágrimas brilhando na relva”. Para Pedro Bloch: “Tudo que está aí é milagre: pássaro, gente, amor. Os sábios vivem debruçados no milagre”. Para mim, milagre é acreditar na vida, achar que ela tem sentido e apostar na descoberta do outro. Milagre é a criança nascer de uma semente no útero materno, a planta nascer de uma semente na terra, a primavera nascer renovando a vida. Milagre é páscoa que se renova todo ano. Milagre é o cego ver com os olhos da alma. Milagre é poder contar com uma autoridade despojada. Milagre é ser feliz sem ser desinfeliz. Milagre é poder cantar com Mercedes Soza: “Gracias a la vida que me ha dado tanto”. Milagre é poder contar com “um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar” com Roberto Carlos.
As pirâmides do Egito e outras maravilhas, do mundo antigo e do mundo moderno, são milagres arquitetônicos. Não há diferença entre feito comum e ocorrência extraordinária: a diferença está na maneira como dialogamos com as leis da natureza monitorando-lhe as consequências. Estamos cercados de milagres: milagres da natureza, milagres da ciência, milagres da pesca, milagres da fé que transpõe montanhas, milagres de solidariedade humana no serviço voluntário, milagres do exercício profissional competente e honesto.
Mais fácil é aceitar como milagre qualquer manifestação da presença ativa de Deus na história humana do que o dedo de Deus na rotina do dia a dia. Mais palpável o sinal dessa presença, caracterizado em especial por alterações repentinas e insólitas dos determinismos naturais, do que sinais dos tempos ao longo da história humana. O mundo é uma grande tenda de milagres. Só não acontece milagre quando o ser humano intervém negativamente. Transformando o mundo em imundo, técnica e moralmente. Ou quando fazemos de um Eldorado um grande acampamento com bolsões de miséria.