OS NOVOS MANDAMENTOS DO FUTEBOL
E de repente o futebol, outrora latifúndio da magia, tornou-se império dos burocratas. Ainda há os craques, alguns irremediavelmente geniais, mas há agora os tiranos que lançam mão de todas as armas para embrutecer o futebol, para torná-lo insuportavelmente chato, sem firulas e sem metáforas.
Eis alguns dos mandamentos estabelecidos pela nova ordem do futebol, a era do politicamente correto:
• Estão proibidos, sob pena de açoite público, o drible-moleque, o chapéu, a caneta, a embaixadinha, o elástico e outros enfeites. Esses recursos serão catalogados como escárnio, falta de ética profissional.
• Está proibido ao jogador conceder entrevista espontânea, sem a presença de seu assessor de imagem, seu empresário, seu agente, seu assessor de imprensa e seu gerente publicitário.
• Falar que seu time é favorito para vencer um jogo ou um campeonato será considerado ato ofensivo, tremenda falta de respeito para com os outros times e os outros jogadores.
• Nunca, com toda a inflexibilidade da palavra nunca, se referir ao adversário com qualquer termo que não seja “um time de qualidade”, mesmo que ele esteja rebaixado com todas as rodadas de antecedência para a Série Z do mais reles campeonato do planeta.
• Se mesmo assim o jogador quiser conceder entrevista, usar camiseta, relógio, calça, cueca e boné do patrocionador, não emitir opinião sobre política, assuntos polêmicos, religião e jamais contestar qualquer ordem estabelecida. E não esquecer de fazer os elogios protocolares, assim como ensinou seu staff.
• Aos beques brucutus será permitido, até incentivado, que punam os craques abusados com pontapés, socos, cusparadas, empurrões e agressões verbais após um drible desconcertante ou uma ginga de corpo.
• Comemorar um gol não será o mesmo que ter um orgasmo. Só serão tolerados atos contidos, abraços, beijos, toques de palma de mão, mãos aos céus ou sorrisos. Serão punidos com o rigor da lei os homens-aranhas que sobem em alambrados, os que tiram a camisa, os que pedem silêncio à torcida adversária e os dançarinos.
• Auto-promoção, aposta com adversários, falar que é foda ou que seu time está acima dos demais serão atos de amadores. Ao profissional nada que pulse, que inflame, que seja confundido com paixão. Ao profissional apenas a gélida obrigação de chutar uma bola como se carimba um memorando em alguma repartição pública.
São tempos difíceis, duros, ossudos. Mas é preciso sobreviver e apostar na esperança, apostar na rebeldia. Mais que isso: é preciso sonhar. Sonhar que neste momentos mães de todas as partes do Brasil estejam dando à luz a novos craques, que possam, no futuro, driblar com a mesma perícia os beques e as estúpidas leis do futebol moderno. Sonhar que um campo de futebol possa ser visto novamente como uma rua onde meninos descalços se divertem correndo atrás de uma bola e não uma arena de batalha onde homens armados e divididos por bandeiras e ideologias derramam sangue e dilaceram carnes.