O triste conto de Chewbacca
Cresci em meio a uma família que, intelectualmente mesquinha em demasiado, não sabe valorizar o esforço mental – para eles, apenas trabalho braçal e prestação de serviços qualificam-se como ocupações dignas, ergo a fonte constante de embates entre nós. “Deus nos livre de ter um escritor nesta família!”, todos bradaram em uníssono, e assim fui obrigado a desperdiçar um lustro inteiro de minha vida estudando para ser advogado, ocupação esta, a seu ver, mais nobre.
Sob coerção e chantagem emocional (duas coisas que sabem fazer muito bem) estudei Direito – ou, melhor dizendo, me arrastei por longos cinco anos por Direito, e saí da mesma forma que entrei: sem saber ou ter ganho coisa alguma. Tanto é que nunca me formei, pois em meus últimos anos, vendo que minha vida já fora desperdiçada de qualquer forma, mal frequentava as aulas, o que, somado às minhas péssimas notas, não permitiu que eu obtivesse o diploma. Já não tinha uma grande predileção pela classe dos legisladores – comecei a detestá-los ainda mais. Foi este o único fruto que colhi em meus cinco anos como aluno de Direito.
Pelo lado positivo, pude fazer alguns bons amigos que tornaram tudo mais suportável; particularmente em meus três primeiros anos diverti-me bastante, e grande parte disto se deve a um de meus colegas de sala, que recebeu o carinhoso apelido de “Chewbacca”.
De fato fisicamente similar ao personagem fictício que inspirou seu apelido, Chewbacca não tinha cara de ter muitos amigos – algo chocante de ouvir-se vindo de mim. A princípio minha turma parecia respeitá-lo, já que era o único dentre nós a já ter cursado uma faculdade prévia, ter residido em alguns países diferentes e aparentar ter vastos conhecimentos, mas com o passar do tempo acabamos por nos decepcionar com seu gênio insociável. Assim, nossas piadas acabaram por voltar-se ao pobre Chewbacca, culminando com uma anedota um tanto quanto divertida da qual quero relembrar-me.
Era o segundo ano de faculdade – 2013, para ser mais exato. Não me recordo da matéria, mas o professor nos pediu um trabalho sobre o Direito ao decorrer da História. Era um trabalho em grupo – também não me recordo de meus companheiros ou nosso tema. O bom e velho Chewbacca, no entanto, preferiu fazer o trabalho a sós, por “questões de praticidade e escrúpulos”, e nosso professor autorizou-o – conquanto que sua parte do trabalho fosse um apanhado geral de todos os outros temas prévios. Cada grupo se apresentou numa data diferente, e nosso camarada seria o último de todos.
Pois bem. Chegou o grande dia da apresentação de nosso igualmente grande camarada. Ele, absolutamente entusiasmado, subiu ao pódio e proclamou: “Hoje vocês terão uma aula de HISTÓRIA!” E ele falou. Falou ininterruptamente por minutos e minutos, bastante contente de ouvir-se – em verdade, apenas ele parecia estar gostando, pois todos os demais estavam extremamente entediados e desinteressados. Como não podia deixar de ser, a turma do fundão (composta por três de meus amigos mais queridos daquele tempo) quis atrapalhar a alegria do palestrante, improvisando cartazes com dizeres um tanto quanto sugestivos para deixá-lo ciente de sua retórica entediante – em falta de palavra melhor. Não demorou até que nosso companheiro começasse a gaguejar e tropeçar nas palavras, e “adding insult to injury” até o professor achou graça da brincadeira. Chewbacca não pôde dar sua tão sonhada aula de HISTÓRIA.
No ano seguinte ele abandonou o curso, e às vezes penso que tivemos algo a ver com isto. Nunca mais o vimos e não tive interesse de saber como ele está atualmente; creio eu que partiu para uma “galaxy far, far away”. Eu próprio nunca tive nada contra ele, por mais que me divertisse com as brincadeiras a ele dirigidas, e só posso esperar que, caso esta memória lhe caia em mãos, ele se lembre com um sorriso deste episódio que, em meio ao oceano de trevas que é minha vida, traz-me uma ocasião para rir e gracejar.
(São Carlos, 28 de julho de 2022)