A Bebida
Não há dúvida de que ela pode ser uma companheira perversa, malvada, destruidora, aniquiladora. A bebida. Uma droga, que ela já é, como qualquer outra. Mas tudo vai depender, como sabemos, muito mais da gente do que dela. Que fica ali quietinha, no armário ou na estante de casa, como na prateleira do supermercado.
Mas se soubermos tratá-la com afeição e carinho, e não apenas com a preocupação do consumo exacerbado, pode surgir daí uma relação afável e de confiança mútua, em que ela desponte com uma verdadeira companhia, que poderá valorizar a nossa alegria, como nos favorecer no entendimento dos momentos de aflição.
Como tudo na vida, ela requer cuidado. No caso dela, como em muitos outros, é contraproducente e retroativo o enfoque da concepção utilitária. Porque ao longo do tempo, ela é que irá consumindo a gente, numa utilização cada vez mais reiterativa. Decididamente não por sua opção. Mas pela sua capacidade intrínseca de convencimento. Sem nada dizer. Sem razões para mostrar ou demonstrar. Mas pelas reações químicas que se materializam dentro da gente e de que não temos como fugir facilmente. Depois de atingido certo grau de repetição. Ou de interação exorbitante.
Mas se soubermos dela cuidar, viveremos num mar de rosas. Tudo terá a cor do salmão, ou o verde ou azul das águas do mar. Sem que se precise recorrer a algo fora da gente para que entremos nesse estado de espírito.
Não há dúvida também de que somos mais fortes. E que só nos tornamos fracos porque nos descuidamos. Ou quando, em casos específicos, queremos. Como pode alguma coisa inanimada se transformar num monstro pra gente? Parece razoável supor que isso acontece porque permitimos.
Desfrutar. Não foi só pra isso, mas certamente também foi pra isso que viemos ao mundo. Mas desfrutar com comedimento. Não se trata de conselho, palavra que tem até certa conotação pejorativa. Tratam-se de coisas que vamos aprendendo pela vida. Ficando claro que nem sempre a teoria leva o foguete ao espaço.
No entanto, convém às vezes lembrar. Somos os autores da peça e os donos do teatro. Se escolhermos os atores melhor indicados, o resultado só poderá ser aplaudido. Principalmente por nós mesmos.
Maricá, 21/04/2013