Ladrão de livros

Ladrão de livros

Esta é mais uma história interessante que eu vou contar de Azambujanra. Nos anos 80, havia uma grande livraria em Recife. Os furtos de livros eram grandes, praticamente todos os dias úteis, a qualquer hora havia o flagrante delito. Os livros furtados eram de autores diversos, geralmente os clássicos. Duas décadas depois, já com a referida livraria fechada, no centro do Recife fora montado um Fiteiro Cultural, onde tentei em vão ilustrar com literatura os freqüentadores dos bares próximos. Numa sexta-feira à noite, por esquecimento, deixei alguns livros dependurados no lado de fora. No sábado pela manhã, preocupado, fui à toda pensando em não mais encontrá-los. E não é que estavam lá todos a salvo? Aos malandros e bêbados não interessara aquela riqueza de livros expostos, alguns até raros. Esse ano, no recital “Pulsações Poéticas da Cidade”,terça-feira (09/04), no qual eu havia confirmado a minha presença, com o “Ói eu, lá, sem declamar!!!” Para a minha alegria, não é que encontrei o poeta Azambujanra acompanhado de sua musa? Me convidaram para quarta-feira eu conhecer a sua nova colossal biblioteca. Lá chegando, Azambujanra então me mostrou um manuscrito do ladrão quando foi apreendido na então livraria com o clássico Crime e Castigo, de Dostoiévski. Observamos que o ladrão gostava muito de ler, extraindo trechos dos livros: “Se um viajante numa noite de inverno”, de Italo Calvino que cita na página 215:

“(...) Hoje vou tentar copiar as primeiras frases de um romance célebre, para ver se a carga de energia contida neste início se comunica à minha mão; após ter recebido o impulso certo, ela deveria se tornar capaz de avançar por sua conta.

Numa noite extremamente quente em princípios de julho, um jovem saiu do minúsculo quarto que alugava na ruela S... e se dirigiu, o passo indeciso e lento, para a ponte K...

Copio ainda o segundo parágrafo; é indispensável para que se apodere de mim o fluxo da narração: ‘Teve a sorte de não encontrar na escada a proprietária dos quartos. Sua mansarda situava-se sob o telhado de um grande edifício de cinco andares e mais parecida um armário do que um quarto. E assim seguidamente até: Devia muito dinheiro à proprietária e temia encontrá-la.'”

Comparando com o Capítulo um do livro “Crime e Castigo”, de Dostoiévski – página 9:

“Nos começos de julho, por um tempo extremamente quente, saía um rapaz de um cubículo alugado, na travessa de S... e, caminhando devagar, dirigia-se à ponte de K...

Discretamente, evitou encontrar-se com a dona da casa na escada. O tugúrio em que vivia ficava precisamente debaixo do telhado de uma alta casa de cinco andares e parecia mais um armário do que um quarto. A mulher que lho alugara... vivia no andar logo abaixo, e, por isso, quando o rapaz saía tinha de passar fatalmente diante da porta da cozinha, quase sempre aberta... E todas as vezes que procedia assim sentia uma mórbida impressão de covardia, que o envergonhava e fazia franzir o sobrolho. Estava zangado com a dona da casa e tinha medo de encontrá-la.”

Finalmente, concordamos que o único ladrão que gosta de ler é o de livro!

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José Calvino
Enviado por José Calvino em 19/04/2013
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