O que resta.
Numa noite sem lua, caminho por uma praia escura. No breu mal vejo meus pés tocarem a areia que deve ser dum cinza escuro como massa de concreto largado no carrinho de mão.
Abaixo, sento-me em meus calcanhares e asso os dedos duma mão numa pegada invisível, sinto o contorno de meu pé gravada na areia, o dom de pequenas ondas quebrando parece o de um trovão ao longe; engraçado como os sentidos se aguçam quando somos privados de outros. Levanto e meus joelhos estalam, de pé apoio as mãos na cintura, jogo o quadril pra frente a e as costas fazem o mesmo.
Ando mais um pouco e encontro um banco de madeira, daqueles de praça, na calçada, galgo, com certo esforço, o morrinho de areia fofa que se interpõe entre nós e desabo deselegantemente nele. Estico os braços ao longo do encosto e volto o rosto para cima.
Sem as opressivas luzes da cidade as estrelas tecem uma deslumbrante tapeçaria prateada no vazio do firmamento negro. Algumas parecem poeira que paira, enquanto outras são enormes pontos luminosos, dando a impressão de que se esticando uma mão se poderia apanhar um punhado delas. De repente percebo a vista embaçada, esfrego os olhos com as costas da mão, abaixo a cabeça e apoio os braços nas coxas, forço um sorriso atrozmente imbecil, e cuspo o salgado duma lágrima que cruzara meu rosto até tocar meus lábios.
A brisa morna carrega consigo pequenos grãos de areia consigo, alguns dos quais grudam nos pelos de minhas pernas, seu calor acalenta minhas costas nuas, meu peito continua frio, duro e áspero, tal qual pedra corrida pelo tempo.
Coço distraído um ponto da cabeça coberta por cabelo emaranhado enquanto penso num sorriso que jamais verei outra vez; chega a ser divertido, como de tanto de uma pessoa apenas um pouco realmente faz falta.
Perdemos uma amante e logo achamos outra pra levar à cama, mas seu modo de sorrir nunca encontramos em outra; um irmão se vai e encontramos outro para abraçar, mas nenhum terá aquele ar emburrado pela manhã que nos faz sorrir logo cedo. Vai-se uma mãe, um companheiro, ás vezes até um desconhecido, e tudo que fica é apenas uma coisinha ou outra, um cacoete, um gesto, um momento, a cor do cabelo, ou que quer que seja.
As lágrimas secam mais rápido do que a areia quando as ondas recuam para o oceano de ébano, tão efêmeras quanto nossas vidas, e o que delas permanece. Levanto e meus joelhos estalam ruidosamente novamente, dou dois passos na direção errada e volto-me para o breu. Caminho por um tempo e acabo sorrindo, desta vez genuinamente.
Lembrei dum nome, os nomes também ficam.