O Barbeiro
«São nove horas e o barbeiro ainda não chegou», penso eu, enquanto medito nos afazeres que ainda tenho para concluir: lavar e encher o tanque dos patos, descarregar as rações, dar uma cura nos pessegueiros…
- Bom dia – diz-me um senhor interrompendo-me os pensamentos.
- Então! Temos barbeiro ou não?
- Acho que sim! – Respondo – Pelo menos o saco do pão está agarrado ao puxador da porta, por certo deve vir.
- Mas hoje é segunda-feira, se calhar vem mais tarde? – Diz o senhor, com uma pronúncia de quem esteve muitos anos no estrangeiro.
- Sim, como ele é sacristão deve estar na missa ajudar o padre, mas deve estar por aí a romper. – Digo eu, ao mesmo tempo que olho para o relógio com a preocupação de quem tem o tempo todo ocupado.
- Ora vivam meus senhores – assim nos cumprimenta um novo possível cliente para o barbeiro.
- Então também estão para cortar o cabelo?
- Assim parece! Se o homem aparecer? - Responde o outro senhor a meu lado.
- Lá vem ele – digo eu, ao ver chegar um automóvel branco, já com uns anitos a avaliar pelo aspecto.
- Então senhor Edorindo, já aqui tem três clientes para a tosquia, mas já estávamos preocupados e a pensar que o amigo barbeiro não vinha – comentou um dos meus ocasionais companheiros.
O amigo Edorindo mete a chave na fechadura ao mesmo tempo que diz:
- Barbeiro? Não conheço nenhum, aqui na Tocha.
- Então ali em frente ao lado do café, onde se cortam cabelos, são al-guns mecânicos? - Contesto eu a resposta do barbeiro.
Muito sério o dono da barbearia vira-se para mim dizendo:
- Meu caro amigo! Diga-me então, quais são os barbeiros que o senhor conhece?
- O senhor por exemplo. – Respondo.
- Ai, isso é que eu não sou! – Responde o mestre tesouras, enquanto eu deito um olhar aos meus companheiros, tentando decifrar qual a tese que apoiavam naquele «sou, não sou.»
Sento-me na cadeira de barbeiro, enquanto digo em ar de troça.
- Então é cabeleireiro.
- Não senhor, também não sou.
Nesta altura, reparo que cada vez que o amigo tesouras fala, os braços param e eu cheio de pressa para terminar as minhas tarefas e o corte não andava. Para não o entreter, tentei não argumentar, uma vez que parecia que a conversa ia dar em nada. É quando se começa a teimar, por vezes, só saem asneiras.
Mas qual quê? Um dos clientes ao reparar que eu me calei, toma em suas mãos a minha causa.
- Ó Edorindo, afinal se não é barbeiro, o que é que você é?
- Mas quem é que disse que eu não sou barbeiro?
Nesta altura o outro cliente, que até aí tinha permanecido calado diz num tom de voz de poucos amigos:
- Ó homem, você está a gozar connosco?
Até estremeci na cadeira, perante o vozeirão e tom rude do cliente que enfadado com a conversa, queria por ponto final na história do mestre tesouras.
Senti um ligeiro estremecimento na mão do barbeiro, que apoiada na minha cabeça me dava sinais para a virar para direita, enquanto se preparava para dar mais umas tesouradas no lado esquerdo.
- Tenha calma amigo Simões! Que eu explico: Até há uns tempos atrás, era rara a semana em que eu não devolvia correspondência que não era para mim. Cheguei a perguntar ao carteiro se sabia o meu nome, ao responder-me que sim, pedi para o dizer o meu nome, ele dis-se-o direitinho: «José Edorindo Camarinho». Depois perguntei-lhe.
«Então, aqui na carta o que é que está escrito?»
«José Edorindo Barbeiro» – Respondeu o carteiro.
«Então veja lá se não se engana mais e não volta acontecer.»
Passados mais uns dias, recebo mais correspondência que não era para mim. Lá voltei entregar nos correios.
- Mas ó senhor Edorindo, não tinha nome da rua? – Digo eu, fazendo tréguas à minha promessa de não interromper o barbeiro.
- Na altura na Tocha as ruas não tinham nome, mas os carteiros como filhos da terra conheciam toda a gente e quando não sabiam, perguntavam, mas o homem parecia que fazia pouco de mim. Até que um dia, fiz questão de falar com o chefe dos Correios.
O senhor atendeu-me educadamente e perante a situação disse que ia tomar medidas. Esta conversa decorria ao balcão dos correios, quando o Carlos da Alice ao ouvir esta conversa diz.
«Repita lá o nome, senhor Edorindo» – Ao repeti-lo, o Carlos disse: «Mas esse é o nome do meu cunhado que mora nos Inácios».
Tudo se resolveu, não voltou a aparecer correspondência trocada e os senhores ficaram a saber que eu sou barbeiro, mas só de profissão.
- Mas então quem era o nabo do carteiro? – Pergunta o Simões.
- Desculpem, mas não vos vou dizer… Não vos vou dizer que era na altura o Alfredo marreco, que é para não haver chatices.
Perante esta frase eu até me engasguei com o ataque de riso que me deu. Saí da barbearia bastante bem disposto e ainda a rir quando chego ao carro reparo que ao olhar para espelho retrovisor o tesouras tinha-me cortado as patilhas quase por cima das orelhas. Mas valeu a pena, por aquele bocadinho.