RANCHO TRISTE
A cada marretada para destruir o velho e saudoso Rancho das Araras, uma lágrima caia dos zóios de Bastião, um verdadeiro amante do rio Pardo, mais de sessenta anos ali quase todos os dias, exceto na piracema que ele sempre respeitou. O parceiro de pescaria Bento ainda mais acabrunhado dizia a cada telha que caia:
- Acabou Bastião! Acabou nosso passa tempo preferido... As noites enluaradas, as estrelas refletindo sobre a água, subir o rio de canoa pegar um peixe bom, depois fritar no rancho junto com um a arroz quentinho, o feijão gordo, a cachaça que ganhamos do padre, veio benzida lá de Salinas.
- É Bento, aqui no rancho um simples arroz com feijão tinha um sabor especial, as festas, o som da viola, o truco, acabou meu cumpadi, só resta à saudade. Lei é lei e vamos respeitar.
- Lembra Bastião do saudoso João Lombriga quando chegava a turma gritava; “Apaga a luz e esconde o sal, senão o João come até os pratos!
- É claro que lembro, êta caboclo que comia, certa vez comeu tanto pirão que até passou mal com dor de barriga. E o poeta Chico “Loco” com seus versos improvisados era alegria desse rancho. Recorda Bastião.
- A gente não vai abandonar o rio, mas sem o rancho das araras vai perder um pouco o brilho das manhas cobertas de serração sobre o rio, formando uma bela cortina com o som da orquestra dos passarinhos...
Um silêncio e Bento engole o choro, Bastião continua recordando os bons momentos vividos ali no rancho:
- Aquela enchente de 66 que quase rodamos no paredão, foi por deus que escapamos, que sufoco Bento!
- Puxa vida foi mêmo Bastião, remamos muito fomos à exaustão, mas estamos vivos parceiros, que parada dura.
- E os belos peixes que colecionamos! O Dourado de 22 kg, o Jaú de 71 kg, o caldinho de Piranhas...
- É Bento, esse caldinho de Piranha quase deu desquite! (risos)
- Eram muitos ranchos à beira do Pardo parecia uma vila. Olha que bonita estão as mais de cem árvores que plantamos aqui, que recuperou até a mina com aquela água mineral...
Mais um silêncio, agora o rancho todo estava no chão, nenhuma palavra e um vazio no peito dos caboclos que realmente são mais que pescadores, verdadeiros defensores da natureza, amigos do rio. A tristeza foi tanta que até o Macaco prego que escutava a prosa... chorou no galho do Ingá...
PS- Crônica sobre a derrubada dos ranchos a margem do rio Pardo Santa Rosa de Viterbo por ordem judicial.