Bob,  Febrônio e Dantinhas



 
            Há poucos dias li com interesse uma excelente crônica da Danuza Leão, onde ela procurava entender, com simplicidade e leveza, a questão da homossexualidade. E citou um tal de Bob, o único homossexual que existia em Copacabana, quando ela era adolescente. Como só existia ele, os comentários choviam em torno da pessoa dele. Alguém chegava numa roda de amigos  e dizia com entusiasmo curioso: “ Hoje eu vi o Bob”. Claro, a época era de repressão e ela chegou à conclusão  que os outros homossexuais estavam ainda  dentro do “armário”.
            Mas o que mais me chamou a atenção foi o fato da Danuza contar que na praia de Ipanema vamos encontrar centenas de homossexuais, namorando,  com toda a liberdade, em razão da mudança de costumes.
            Não vou aqui dar minha opinião, pois confesso que tenho medo de represálias da ditadura das multidões e também das chamadas minorias.  Não quero ser apedrejado como a adúltera bíblica,  como dizia com muita graça o Nelson Rodrigues. Não nasci para mártir. Tenho visto mudanças radicais dos costumes e valores tradicionais. E mudanças rápidas, todas ganhas no grito, sufocando o direito de alguém opinar contrariamente a essas mudanças. Devo dizer que nunca tive problemas com amigos homossexuais, que sempre tiveram conduta respeitosa comigo e eu com eles. Mas eu não tenho dúvida que vivemos uma época de grande mediocridade. E o pior, sinto que não temos a sagrada liberdade de opinião. Antes de encerrar este capítulo dos gays, conto ao amigo leitor que meu melhor amigo do científico era gay enrustido e me confidenciou que era assim porque tinha nojo do órgão sexual da mulher. Difícil entender este problema. Danuza Leão chegou a pensar em moda. Será?  Genética? Normal? Como disse, não opinarei.
            O fato da Danuza lembrar-se do Bob, me fez recordar, na década de 50, quando eu era ainda menino, do famoso Febrônio. E agora sou eu que digo: - “era o único tarado sexual conhecido no Rio”.  Os pais de então, quando queriam assustar seus filhos travessos, costumavam dizer: “ Olha, se você não ficar quieto, vou chamar o Febrônio para você”. Era um santo remédio.  Esse Febrônio, na verdade, era um doente mental e que acabou num manicômio judiciário. É claro que os homossexuais existiam e os tarados também, como em todas as épocas.
            E na esteira desses personagens do Rio antigo, mais uma vez a Danuza lembrou do grande boêmio daquele longínquo ano de 1955, o  inesquecível Dantinhas, que se chamava João Villar Ribeiro Dantas, originário do Rio Grande do Norte.
            O Dantinhas, segundo os jornais, foi o único que se salvou de um incêndio pavoroso ocorrido no Hotel Vogue, que abrigava no térreo a mais famosa boate do Rio, onde pontificava no piano o Sacha e cantoras como Linda Batista, Dircinha Batista,  Araci de Almeida e a sempre lembrada Dolores Duran. Penso que era dessa época o Dick Farney. E neste ano de 1955, desculpem-me os leitores não flamenguistas, o Flamengo sagrou-se tricampeão pela segunda vez, com o técnico paraguaio Solich. Como sempre, o despreparo dos simpáticos bombeiros.  E a escada que eles usavam só ia até o quarto andar. O Edifício tinha 12 andares e o Dantinhas assistindo seus amigos pularem das janelas para a morte. Ele se encontrava no décimo andar. O nosso boêmio, com sangue frio, vestiu um terno novo,  colocando na  sua gravata um alfinete de pérola, teve a ideia de amarrar numa haste de ferro da  janela  um lençol  comprido, que ele teve o cuidado de molhar, atirando-se no espaço, agarrado ao lençol.  Ficou pendurado pedindo aos bombeiros que jogassem uma corda, com o que ele milagrosamente escorregou até chegar no chão.  Esse suspense levou mais de uma hora. Na quinta tentativa ele conseguiu agarrar a corda dos bombeiros.  O Dantinhas, sem falar nada, uma vez salvo,  dirigiu-se, imediatamente, atravessando a rua,   a um bar e entornou sozinho uma garrafa inteira de whisky.
            Escrevi essa crônica, com esses três casos pitorescos de minha cidade para deixar registrado algo mais importante: que nosso planeta não aguenta mais a superpopulação e espanta-me as pessoas não ligarem à mínima para isso. Umas das razões pelas quais o Rio de Janeiro era efetivamente uma cidade maravilhosa foi justamente ter tido uma população bem menor, adequada ao tamanho da cidade.  Dois milhões de habitantes.  E o povo podia usufruir gostosamente das belezas naturais da cidade. Por isso, para ter qualidade de vida, me "escondo" na cidade interiorana de Miracema.
            Finalmente, encerro para dizer que, evidentemente, não me identifico nem com o Bob, nem com o Febrônio. Mas fiquei simpático ao Dantinhas, talvez pela coincidência do nome, pois sou igualmente um Dantas, mas sem a coragem do Dantinhas.