Saúde na UTI. De quem é a culpa?

Sala de espera confusa, corredores lotados, pessoas reclamando, o frio banco, o cheiro de hospital. Eu estava ali havia apenas alguns minutos e parecia-me uma vida inteira. Em cada olhar a expectativa de ser atendido e nos lábios, a vontade de partilhar com o outro as angústias do dia a dia e perceber-se multidão, não apenas um ser solitário. Histórias parecidas, tragédias vividas, contatas com ênfase por pessoas simples, como se cada um fosse o protagonista principal de um drama, cuja vilã, a doença, era algo comum que os fazia mais humanos, mais unidos, menos sós.

Médicos de branco, iam e vinham. Nos seus rostos, o cansaço aparente, quem sabe, de horas de atendimento. Quatro deveriam estar no plantão ortopédico naquele dia. Apenas dois faziam o trabalho de outros tantos, que por um motivo ou outro deixaram de cumprir o compromisso prometido de lutar pela vida que um dia os fizeram "doutores".

Ali no canto da sala a esperar, pessoas que madrugaram e que têm que ser fortes, pois o instante é de luta pela sobrevivência. Não reclamam ou melhor, conduzem suas queixas de maneira bem humorada, fazendo piadas de situações trágicas..agora, trágica-cômicas... como o comentário de como sofreram um assistente, levanto todos, até aqueles que têm uma situação de dor maior, a rirem . O ambiente então transforma-se em um grande palco, onde cada autor representa sua dor de maneira única e plenificada de atitude.

Médicos saem correndo de suas salas. O que pode estar havendo? Rapidamente vem a resposta pela rádio corredor/telefone sem fio: todos foram socorrer um paciente com fratura exposta...e para onde foram? Vão voltar? Por que um deles não ficou? E as piadas e descontração transformam-se em murmúrio de revolta. Cada qual procura justificar o porquê de estar ali e o tempo que permanece, numa disputa insana de quem tem mais tempo de espera e é vitorioso neste quesito tão importante quando se trata de discussões - como se quem ficasse ali por mais tempo, merecesse o lugar de quem está sendo atendido entre a vida e a morte.

A revolta gritada a quatro ventos, liberou o que estava abafado, e pouco a pouco as pessoas voltam a conversar, rir, reclamarem das dores e mostrarem sua situação terrível de único paciente que precisa estar ali.

As horas passam, a sede bate, o sono chega. Muitos cansados voltam para casa e desistem. Outros, brasileiros como são, persistem.

Os médicos retornam de uma cirurgia demorada. Todos cansados, poderiam não ter voltado. Mas, em nome de um juramento, retornaram ao atendimento, depois de 3 horas de cansativa cirurgia. E ali, nos respectivos consultórios, voltam a chamar os nomes, que entram entre esperançosos e aliviados da longa espera.

Faz-se noite. A solidariedade, mãe da dor, aparece. Tantos lanches, sucos e águas compradas e divididas. Ainda somos racionais.

Os médicos de plantão, especialistas em ortopedia, vão atendendo um a um. A fila diminui no atendimento e aumenta no raio x. Numa sala de 18 graus ambiente, um único técnico esforça-se para atender a todos, bater as radiografias, revelar as "chapas" e devolver a imagem aos pacientes convictos; que atentos, como "bons entendedores", examinam e comentam cada detalhe ali revelados.

O atendimento já vai chegando ao final. Hora do retorno, do engessamento. Habilmente, o enfermeiro, coloca talas, engessa braços e pernas... como é rápido... como é eficiente. Verdadeiro artista em moldar e trabalhar esparadrapos, compressas, gessos e faixas.

Madrugada. Poucos ainda permanecem à espera. O hospital começa a ficar em silêncio, às vezes quebrado pelas ambulâncias de emergência que chegam trazendo de longe pacientes entre a vida e morte.

No caminho para casa, vim refletindo em tudo que vi e ouvi naquele lugar. Para os pacientes, um um açougue, um depósito de gente; para muitos médicos, a verdadeira faixa de Gaza. Quem tem razão? Creio que os dois lados: para o paciente com dores, aguentar esperas dilacerantes de 3, 4, 7 horas, é realmente sentir-se em um curral, animal jogado, ferido, a espera de ser lembrado. Para os médicos, a estressante rotina de um pronto socorro; dos momentos de emergência, das prolongadas cirurgias e o peso de nunca poder errar; e por incrível que pareça, das centenas de pessoas que ali se encontravam, quantas precisavam realmente de médico? "Tudo que é de graça...ha, ha, ha... não estamos pagando!!! É do governo, estou só com um arranhão, mas pago imposto e tenho direito de ser atendido.

Talvez ninguém nunca tenha percebido, quantos entram mancando e saem correndo. E o quanto isto chateia os profissionais que ficaram anos estudando e têm que lidar com o fingimento e a falta de doenças concretas no dia a dia dos plantões.

Um dia, chega alguém realmente ruim, custam a acreditar e a pessoa morre esperando na fila. Creio que a culpa é do próprio povo que lota as emergências sem necessidade... aquela velha história da criança que chama pela mãe, porque o lobo está chegando sem haver nenhum lobo. Na verdade, quando ele surge, devora a criança por falta de socorro.

O governo tem culpa, claro. Tudo está sucateado, faltam profissionais. Os médicos têm culpa, também. Muitos realmente tratam aquele povo carente, como animal de laboratório. Mas, para mim, o maior culpado é o próprio povo, que lota as emergências por causa de uma dor no dedão, destratam auxiliares e médicos, pelo simples fato de que Hospital público é "de graça".. e "de graça, até injeção na testa"..., impedindo com isto, que seja atendido com qualidade, quem realmente precisa.

Enquanto houver a cultura de que, quem está ali é nosso subordinado, nós que pagamos o salário deles e exijo meus direitos no grito, o hospital público continuará com esta imagem. O governo não presta, os médicos são uns folgados.. e nós, os todo poderosos; enquanto pensarmos assim, não tem como a saúde pública sair deste patamar.

Ana Teresa
Enviado por Ana Teresa em 13/04/2013
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