Coisas de trânsito
Em mais um súbito engarrafamento na Avenida Paulista, ao som de Caetano Veloso misturado a buzinas indesejáveis, lá estava eu, naquela manhã, atrasadíssima para o trabalho. Paro no semáforo vermelho, a pouca distância da faixa de pedestres e automaticamente relaxo e viajo com os meus olhos para todos os carros ao meu redor. Uma senhora passando batom aqui, uma mãe discutindo com seu filho ali, um rapaz acendendo o cigarro, crianças a caminho da escola, turistas desacostumados... Quando no meio de tudo isso, logo a minha frente, uma galeguinha põe seus pés nus e desnutridos na faixa de pedestres. Ela carregava três bolas murchas. Tinha manchas vermelhas na perna e o semblante exausto. Mal vestida e desajeitada, a garota começa a dar vida às bolinhas, faz um número ali pra mim, sem falhas. Torcendo pelo sucesso da sua apresentação, eu fiquei ali, toda besta, encantada com aqueles cachinhos dourados. Ao acabar o malabarismo, a magrelinha agradeceu a atenção das poucas pessoas que realmente a deram. Com a mãozinha balançando e aquele rostinho alegre, a garota passou pelos carros a fim de que uma boa pessoa lhe pagasse pelo número. Para sua sorte, encontrou meu vizinho de engarrafamento com bom humor, que lhe deu alguns trocadinhos. Quando veio ao meu encontro eu também dei a ela uns trocados, embora quisesse dar-lhe muito mais, mas o semáforo abriu. Porém eu acho que ela entendeu, porque seus olhos sorriram para mim. Como um anjo, abriu um singelo sorriso, e por Deus, foi o sorriso mais lindo que eu já vi.