NO ALVO: O BATE-PAPO

Pela tua agilidade mental e a mira pontual com que respondes aos temas em foco, imaginei: tudo me diz que és, no mínimo, muito bem dotada de feeling e inteligência... E por que não fazer uma especialização em Poesia, na área de Letras? O teu "sentir" é muito incomum, e olha que lido com centenas de pessoas que gostam e estudam a Poética. Tu a entendes, sim, e muito, porque sempre segues – certeira – à busca de textos de mesmo temário, conotativos ao meu estro e, pelo que noto, sempre de alta qualidade literária. Tens, no mínimo, um invejável bom gosto e isto não e coisa pra qualquer um. Por que não te especializas em teoria literária, antes de ires para o estudo da Poética especificamente? Admiro muito por te saber empenhada na educação infantil, mas acho que a universidade que venhas a cursar vai te fazer justiça e receberá uma competente profissional no seu quadro de docentes, no futuro... Bem, se optares pela aposentadoria, e decidires morar perto do mar – como me confidencias – aproveita para criar algo no entorno da literatura e do associativismo e conta com o teu antigo e exigente amigo, que, daqui a cinco anos terá à sua conta 72 invernos e estará um pouco mais chato do que hoje... Se não queres escrever nem Prosa nem Poesia, quem vai perder são os que ainda não te descobriram como autora...

II – Porém, se já juntaste dinheiro suficiente pra morar perto do mar, e não te faz falta mais algum (coisa que sinceramente não acredito) fica somente lagarteando, tostando o lombo, ganhando peso, comendo peixe e camarão e ouvindo música e Poesia no chalé à beira-mar... Mas quem perderá somos nós – os que te sabem valiosa, como eu. Bem, deixando de lengalengas, pensa no que te digo e vai avançar no conhecimento específico, que vai te fazer feliz, também...

III – Viciada em internet? Isso não é bom, deixa sequelas: pernas e joelhos com problemas crônicos, muito adquirir de peso e propensão ao diabetes... Solidão? Bem, isso é algo que muitos têm, e, realmente, para tratá-la, com alguma hipótese de sucesso, só alguns remédios simples e inodoros como a Poesia... Mas não seria, também, um pouco de falta de entrega ao Amor? Ao amar além da letra do poema? Cuida de que a tua interioridade não seja apenas um poema virtual... Pedindo escusas, te digo que se tiveres um parceiro, por melhor que ele seja, dificilmente conseguirá entender, porque o (teu) mundo está além de ti mesma, e, por certo, fora do mundo dele. Estou acostumado: um estar fora e dentro, paradoxalmente. Não existe ninguém (dos que conheço) que ame mais a Poesia do que eu. E tu és do meu time, um combalido e incompreendido time... Mas é preciso não ficar apenas no universo do ideal e do apenas necessário para combater a hostilidade que vige dentro da gente...

IV – Doar-se ao mundo real é necessário, como o sol que sova de luz a plantinha... O outro, o teu próximo, não pode ser visto sempre como algo hostil, e, sim, como alguém que se necessita sentir, pegar, apalpar, mesmo que, aparente e costumeiramente, ele possa ser uma massinha de modelar ou uma mão sem vida, inexpressiva... Acho que tu estás adoentada de Amor, e para este mal só tu mesma poderás encontrar a solução, ainda que decepes a mão inexpressiva, gélida... Viste o que é o cacoete? Já estou a fazer Poesia...

V – Bem, te deixo: tenho de dar de comer à Srta. Diabetes, que é muito exigente, especialmente às altas horas: só quer frutinhas, e nem sempre as da estação. Hoje, por exemplo, vou comer laranjas de umbigo, peras e bananas, uma de cada vez... O que fazer se ela é exigente? Afinal, é uma mulher com quem convivo há mais de 15 anos... A sapequinha da senhorita Diabetes não anda muito fogosa, ultimamente. Tal qual o teu “noveleiro” parceiro de bate-papo, que também diz mais no poema do que plano do real... Mas não te esqueças de que o amar se traveste até nos jogos do sentir e de fazer gozo. Acho que o nosso papo descontraído vai render alguns textos fragmentários, no mínimo... O que fazer se isto é fonte de vida e literatura é muito mais do que isso? Salve Jorge da Capadócia, afastai os nossos dragões!

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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