QUEM SABE? Estou filmando.

No início de uma tarde ensolarada de sexta-feira que não era treze, numa sala de espera de um Pronto Socorro de um hospital público, mas, poderia muito bem ser particular porque não há nenhuma diferença de um para o outro, começa a minha tomada de um novo filme que estou captando. É um tema velho conhecido que continua novo e se renova a cada minuto, cada hora, cada semana, cada mês, cada ano,...

Para cada canto que dirijo minha lente, filmo uma única cena que se repete incessantemente. Mesmo assim, há tantas histórias a contar! Muitas vezes tão próxima e tão distante ao mesmo tempo. Quanto me custa vivê-la! Nesse momento passa um amigo, meio inimigo, tentando me ajudar. Não é tão amigo assim. Para ele não conta o que minha lente capta. Conta o que ele irá “perceber”.

Junto nesse enredo entra uma senhora de estatura mediana, morena, vestida de saia e blusa brancas com uma sombrinha na mão, que passa “lotada”. E, mais figurantes juntam-se à história que está apenas começando. Alguns permanecem juntos por alguns quarenta minutos, outros por horas difíceis, outros por horas intermináveis e outros... Nesse caso corta-se o filme.

Recomeçam as tomadas noutras direções e, nesse instante, reencontro a figura branca. Nada é captado “no rumo das ventas” como diria meu avô. Tal senhora me confidencia que não percebe esses espaços. Não consegue. Está além das suas forças. E, quantas figuras e espaços há abaixo do seu nariz?!

O interessante nessa filmagem, é que somos apenas atores figurantes. Estamos apenas construindo um elenco apático prontos a esperar e seguir para onde nos mandarem sem indagarmos nada. Sem contestar qual um bando de maria-vai-com-as-outras. O máximo que se ouve é um pequeno balido, quase imperceptível porque a cena está muito forte e é preciso emitir algum som para ver se traz algum conforto. Além do mais é baixaria berrar, reclamar o desconforto do momento. Como se todos aqueles atores ali no set estivessem prestando um favor.

Fico a indagar-me: até quando durará essa falta de ânimo, esse conformismo todo? Até quando transferirei o meu direito a uma meia dúzia de ditos diretores que boicotaram as cenas confortáveis?

Será que estes tem o direito de seqüestrarem a vida de todos os atores coadjuvantes e figurantes? Quem lhes conferiu o direito de julgar e condenar as nossas películas ao lixo, nós, atores coadjuvantes do filme de suas vidas? Será que não podemos excluir ou escolher novos diretores para dirigir as nossas novas tomadas?...

Reencontro novamente a in(feliz) figurante, noutro contexto da mesma história, o mesmo papel, a mesma indiferença àquelas tomadas. Já caminhava para o início da noite e a história ainda não havia nem começado ou estava apenas começando.

Finalmente chega a noite e trocam-se os atores coadjuvantes ou pelo menos, assim deveria ter sido. E, mesmo assim, ninguém se mexe. Todos permanecem em pé, em fila indiana, esperando um ator principal que oriente ou que um coadjuvante ou figurante fale por todos. E, a mesma história começa a cada instante num sem fim.

Já estamos “passados”. Uma afadiga está se abatendo sobre todos. Falta-nos ânimo para começarmos outra filmagem. Queremos apenas nos recolher ao conforto do lar para ficar aconchegados até recomeçar nossas inquietações.

No aconchego do lar sinto-me mais confortável. Pelo menos terei um espaço para relaxar esse corpo velho que me diz coisa que não quero e nem gostaria de ouvir. No aconchego do lar posso rebobinar esse filme e revê-lo de longe. Incomoda-me ficar no set de filmagem esperando, esperando...

O bom mesmo seria poder vê-lo apenas na tela do cinema ou na da televisão para chorarmos de faz de conta. Terei apenas um leve desconforto, afinal sou gente. E, gente está sempre aprendendo coisas novas, vencendo limites, cruzando barreiras.

Quem sabe isso pouco me afetará e, poderei melhorar minha atuação futura que infelizmente é inevitável, tornando-a menos desconfortável. É a lei natural.

Quem sabe não me torne gente grande, forte, decidida, valente e destemida...

Quem sabe me torne um Hobbin Wood pós-moderno?

Quem sabe eu possa...

Quem sabe?

Quem?

Anaraujo
Enviado por Anaraujo em 13/04/2013
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